terça-feira, 8 de março de 2011

O brincar na Educação Infantil


Brincar com criança não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escolas, mais triste é vê-los sentados enfileirados, em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem. (Drummond)

O ato de brincar envolve emoções, tensões, dificuldades, desafios... Friedmann defende, com pesquisa contextualizada, a necessidade de resgatar o jogo no currículo escolar. ( SILVA, 2002, p.9)
É através da brincadeira que a criança demonstra seus sentimentos, suas angústias. Muitas crianças, que são tímidas, se apropriam de um personagem para falar sobre problemas vivenciados em casa e na escola. Muitas vezes, o adulto, observando as brincadeiras da criança, sem intervir num primeiro momento, até que ela exprima todo seu conflito, poderá perceber suas necessidades, fazer uma intervenção cuidadosa de modo que resgate a confiança da criança dando-lhe possibilidades de novas manifestações. Portanto, o brincar, principalmente, na Educação Infantil é de suma importância, pois as crianças vão se socializando, trabalham seu egocentrismo, respeitam os colegas e ainda é uma forma de expressão de conflitos internos e/ou externos que pareçam sem solução.
Nas brincadeiras livres, sem muita interferência, o professor poderá observar a iniciativa e criatividade da criança.

A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir ... É capaz de resgatar uma compreensão polifônica do mundo, devolvendo, por meio do jogo que estabelece na relação com os outros e com as coisas, os múltiplos sentidos que a realidade física e social pode adquirir. ( JOBIM e SOUZA, 1994 )

As crianças têm muita facilidade em construir brinquedos, nomeá-los, dar funções diferenciadas a eles. Numa atividade realizada com crianças de quatro anos, ficou bem visível o quão são criativos e deixam a imaginação fluir. A partir de uma história contada e materiais diversos, incluindo peças de encaixe, panos, bonecas, latinhas entre outros, as crianças, divididas em dois grupos, fizeram sua própria versão, acrescentaram personagens e muita imaginação na interpretação. Deram uma conotação diferenciada através de brinquedos comprovando a teoria de Vygotsky (1984),que diz:

na infância, a imaginação, a fantasia, o brinquedo não são atividades que podem caracterizar apenas pelo prazer que proporcionam. Para a criança o brinquedo é uma necessidade. ( VYGOTSKY apud KRAMMER, 1996 )

Vygotsky também diz que não existe brinquedo sem regras, pois qualquer situação imaginária requer uma compreensão de regras em diferentes níveis. Nas brincadeiras de faz-de-conta, nas quais assumem papéis de mãe, professoram médico, etc, são exigidos comportamentos específicos e compreensão dos papéis sociais. No jogo a criança demonstra a consciência que possui das regras e dos valores de convívio com a realidade. A principal contribuição da brincadeira no desenvolvimento da criança é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual.
Para Piaget o jogo e a brincadeira podem ser compreendidos tanto como uma experiência estética2 quanto uma experiência racional3. Entende o jogo como experiência racional. O jogo é simplesmente a predominância da assimilação sobre a acomodação, ao invés de a criança subverter a realidade, é a realidade que constrange a criança, impondo-se a ela. Portanto, na perspectiva piagetiana o jogo é “prática” e “repetição”. (BUCK – MORSS, 1987)4.
Segundo os RCNs (p.22) o brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia, portanto o fazer pedagógico na Educação Infantil é tão importante quanto o currículo do ensino fundamental. O professor de Educação Infantil tem a responsabilidade de aliar o que muitos julgam ser inútil: a brincadeira, os momentos de interação com a construção do conhecimento.

3.2 - Construindo identidade e autonomia

A identidade não é jamais concedida, ela é sempre construída e reconstruída. ( DUBAR,1997)

Desde pequeninos, os bebês começam a construir sua identidade, se identificam no espelho e também seus próprios pertences como: chupetas, fraldinhas, mochila, sapato e outros.
São as primeiras manifestações de identidade. Começam a identificar coisas que estão à sua volta, pessoas com as quais convivem: mãe, pai, avós, professora,etc. Quando são chamados pelo nome e atendem é que já têm uma relação de identificação com seu nome. À medida que vão crescendo vão se apropriando de outras estruturas cognitivas para diferenciar desenho de escrita e aí começam rabiscos (pistas) que vão decifrando até conseguirem escrever o nome.
Ao identificar seu nome e observá-lo escrito em diferentes locais, a criança o memoriza. A partir de então começa seu relacionamento com a escrita como representação da sua identidade.
Para sistematizar esse conceito de identidade realizei, com crianças de quatro anos, algumas atividades sugeridas na Revista do Professor: história dos nomes, fichário, lista de palavras, letras móveis e dança da cadeira, uma para cada dia da semana. O resultado foi sensacional, a maioria das crianças conseguiu realizar as atividades sem dificuldades, outras precisaram de ajuda do professor ou dos colegas que estavam aptos para auxiliar, se necessário. Era visível o prazer que sentiam quando conseguiam identificar seu nome e dos outros. É como se tivessem ganhado um prêmio.
Não só a identidade do nome e de si próprio foi trabalhado, mas também o respeito à identidade cultural que é muito marcante na Educação Infantil quando nomes “estranhos” aparecem, sotaques diferenciados, surgindo um “choque” de diferentes culturas e nessas diferenças surge uma riqueza imensa de dados. Dados que podem se transformar em conteúdos dependendo da necessidade da sala. No PROESF discutiu-se muito sobre diferenças e de todos os tipos, incluindo as necessidades educativas especiais levando a fazer uma reflexão do quanto somos impotentes diante de situações que exijam posturas diferenciadas em prol do desenvolvimento global da sala.
Sobre essa questão de respeito o RCN, p. 42 faz a seguinte citação:

O trabalho com a identidade representa mais um importante espaço para integração entre família e instituição. Desenvolver atividades às particularidades de cada grupo familiar favorece, por exemplo, que o professor e os outros profissionais de Educação Infantil compreendam a dificuldade de uma criança em usar talheres, quando em sua casa o costume é comer com as mãos.

Não só os costumes de uma família, mas a sua religião pode despertar conflitos de identidade junto à turma e até o professor que precisa ter claro que cada criança é única e deve-se respeitar os seus limites não incutindo nela idéias que não lhes dizem nada.

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros ( FREIRE, 1996, p.66 )

No dia-a-dia, o professor não deve centralizar as decisões, determinando o que, como, quando e com quem fazer, pois essa centralização resultará num ambiente autoritário sem espaço para o exercício da ação autônoma.
Tradicionalmente o que se espera da criança é obediência, silêncio e imobilidade. Essa expectativa é incompatível com qualquer projeto educativo que valoriza a criança independente, que toma iniciativas e que coordena sua ação com a de outros.
A progressiva independência na realização das mais diversas ações, não garantem a autonomia, mas é condição necessária ao seu desenvolvimento.
O professor deve propiciar condições para o aluno conquistar sua autonomia, deixando material de uso contínuo e brinquedos em lugares acessíveis à criança de modo que possam encontrar o que necessitam sozinhas, sem interferência.
Outro fator importante é o fato da criança conhecer a rotina da escola bem como a programada para o dia, isso trará segurança para arriscar e ousar agir com independência.
No RCN, p.40, fica claro a visão de autonomia que o professor deve ter para auxiliar o aluno a conquistá-la: Para favorecer o desenvolvimento da autonomia é necessário que o professor compreenda os modos próprios de as crianças se relacionarem, agirem, sentirem, pensarem e construírem conhecimentos.

3.3 - Outros momentos de aprendizagem

Todo início é difícil. Para o bebê não é diferente, alguns choram muito, pois sentem a falta da mãe, não conhecem as pessoas que estão cuidando dele, o ambiente também é diferenciado do seu lar, muitas crianças juntas o que nem sempre faz parte de sua realidade, além de ter que se adaptar ao cardápio. Neste momento de grande angústia aos pequenos, criar um vínculo de confiança com o adulto é fundamental. O educador precisa conquistar a confiança dessas crianças para que momentos como troca de fraldas , banho, alimentação e sono não sejam sinônimos de tortura.
No berçário, por exemplo, o banho, a troca de fraldas, a alimentação e o sono são momentos dos bebês formularem seu próprio modo de transformar essa ação em reação.
Quando uma criança vê o babador já associa com a hora do almoço e vai puxando a cadeira para sentar.
As crianças estão em contato a todo o momento com elementos estimulantes que resultem em aprendizagem .
Na disciplina de Educação Infantil debateu-se bastante sobre a temática do sentimento de infância, da sensação de abandono que a criança sente quando é deixada pela mãe na creche ou escola. Esse estudo me fez atentar mais aos apelos das crianças ao sentimento de revolta momentânea e perceber que a adaptação é diferente de criança para criança e que com o tempo ela vai adquirindo competências quanto ao ato de alimentar-se. Começa manifestar interesse em comer sozinha, segurar a mamadeira, tomar líquidos em canecas e ainda é capaz de selecionar os alimentos que deseja ingerir.

O ato de alimentar tem como objetivo, além de fornecer nutrientes para manutenção da vida e da saúde, proporcionar conforto ao saciar a fome, prazer ao estimular o paladar e contribui para a socialização ao revesti-lo de rituais. Além disso é fonte de inúmeras oportunidades de aprendizagem.(RCN, p.55)

Os bebês que permanecem o dia todo na creche necessitam de banho tanto para higiene quanto para relaxar, refrescar e como fonte de conforto e prazer.
É durante o banho que a criança entra em contato com momentos de prazer ou desprazer, umas adoram banho outras repudiam, talvez por não ser a mãe que está presente naquela hora. O professor deve proporcionar condições para que este seja um momento acolhedor, conversando com a criança o tempo todo a fim de que ela vá reconhecendo as partes do corpo ou, simplesmente, para que se sinta segura. Não só o banho, mas o sono e repouso são partes dos momentos de aprendizagem da criança.

O momento de sono e repouso tem papel importante na saúde em geral e no sistema nervoso em particular. As necessidades e o ritmo de sono variam de individuo para individuo, mas sofrem
influencias do clima, da idade, do estado de saúde e se estabelecem também na relação às demandas da vida social.(RCN, p.59).

As crianças têm necessidades e ritmos diferentes, por isso umas precisam dormir mais enquanto outras nem tanto. Conclui-se, então que, o fazer pedagógico na Educação Infantil não se restringe a atividades direcionadas, mas também àquelas em que o professor precisa às vezes, decifrar códigos para o bem estar da criança. Com as crianças pequenas utilizamos diversos artifícios para que elas
internalizem alguns conceitos básicos. Se o professor disser, a uma pessoa leiga, que está ensinando matemática a uma criança de um ano esta achará um absurdo, talvez até coloque em dúvida a capacidade do professor de Educação Infantil. Até mesmo para um docente habituado a trabalhar com crianças do ensino fundamental fica, às vezes, incompreensível, pois os pequenos não sabem ler nem escrever. O fazer pedagógico na Educação Infantil contempla essa habilidade ao professor dessa fase, que busca alternativas lúdicas para o processo ensino-aprendizagem dessa faixa etária. Quando a criança de um ano está passando por baixo de uma cadeira ou algum outro objeto mais apropriado, ela está nesse momento vivenciando os conceitos matemáticos: por baixo, por cima, dentro, fora etc, para quando chegar ao ensino fundamental possa resolver abstratamente esse conceito, pois já o vivenciou no concreto.

3.4 - A importância da afetividade

São as pequenas coisas que fazem a base das grandes. Se não educarmos nossas crianças para as pequenas coisas não educamos para as essenciais. As pequenas gentilezas não são na realidade apenas gentilezas: são indícios de respeito pelo outro, da percepção da sua existência...TANIA ZAGURY

Celso Antunes5 defende a alfabetização emocional no currículo, pois acredita que todas as relações devem ser permeadas de afetividade, em qualquer idade ou nível sócio-cultural.
Essas preocupações têm direcionado a prática pedagógica a um novo patamar, qual seja, a preocupação que se tinha com “o que ensinar” (conteúdos) volta-se a “como ensinar” (metodologia).
Estudos relacionados à afetividade levam ao denominador comum de que o afeto é indispensável na atividade de ensinar, pois relações afetivas facilitam a aprendizagem , conseqüentemente a construção do conhecimento e a constituição do sujeito.
Wallon e Vygotsky, em suas teorias, buscam identificar a presença de aspectos afetivos na relação professor-aluno e as possíveis influências destes no processo de aprendizagem ,(apud LEITE, 2002, p.125) pelo fato da afetividade ser considerada como algo subjetivo fica difícil explicá-la como uma teoria pronta e acabada, pois vão surgindo, nas pesquisas, fatores abstratos que poderão ser explicados por profundos estudiosos no assunto.
Na literatura, a afetividade está relacionada às vivencias dos indivíduos e às formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas.
Segundo Wallon, “a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional” (apud LEITE, 2002, p.116 ).
Essa citação remete a observar a criança, principalmente de berçário, quando esta tem atitudes diferenciadas do seu modo habitual. Com um olhar diferenciado, permeado pela afetividade o professor poderá perceber na criança um pedido de socorro, quer seja por questões emocionais e/ou patológicas.

Através desta interação com o meio humano, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a relação entre a criança e o outro, construindo elemento essencial na construção da identidade.
( WALLON apud LEITE,2002,p. 118 )

Wallon divide o desenvolvimento infantil em estágios e segundo ele em cada fase do desenvolvimento, os aspectos afetivos e cognitivos estão em constante entrelaçamento.
Vygotsky também enfatizou esse entrelaçamento de afeto e cognição afirmando que a separação desses aspectos.

enquanto objeto de estudos, é uma das principais deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que pensam a si próprios, dissociados da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa. (VYGOTSKY apud LEITE, 2002, p.119 )

Neste sentido pressupõe-se que as interações que ocorrem no contexto escolar também são marcadas pela afetividade em todos os seus aspectos, portanto quanto mais afetiva for a relação professor-aluno, maior será o aproveitamento dos conteúdos. Uma relação afetiva não quer dizer que o professor tenha que se sujeitar à aceitação de todas as atitudes dos alunos, pois quando ele mantém uma postura de correção sem punição, uma atitude com convicção, está demonstrando formas cognitivas de vinculação afetiva e quando o aluno consegue perceber essa atitude como afetiva, acaba por selar o vinculo afetividade-cognição desencadeando um processo de aprendizagem.

Retirado do memorial de conclusão do curso de pedagogia de Elza de Fatima Oliveira com o título o fazer pedagógico na educação infantil da Universidade Estadual de Campinas, Americana, 2006.

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