Brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil
Tizuko Morchida Kishimoto – FE-USP tmkishim@usp.br
A introdução de brinquedos e brincadeiras na educação infantil implica definir o que se pensa da criança. Quem é ela? Brinca? O brincar é importante?
Importância do brincar para a criança de 0 a 5 anos e 11 meses
A criança, mesmo pequena, sabe muitas coisas, toma decisões, escolhe o que quer fazer, interage com pessoas, expressa o que sabe fazer e mostra em seus gestos, em um olhar, uma palavra, como é capaz e compreende o mundo. Entre as coisas que a criança gosta está o brincar, que é um dos seus direitos. O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança, dá prazer, não exige, como condição, um produto final, relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades, e introduz no mundo imaginário. Para nosso estudo considera-se todo o período da educação infantil como importante para a introdução das brincadeiras. Pela diversidade de formas de conceber o brincar alguns tendem a focalizar o brincar como característico de processos imitativos da criança, dando maior destaque apenas ao período posterior aos dois anos de idade. O período anterior é visto como preparatório para o aparecimento do lúdico. No entanto, temos clareza de que a opção pelo brincar desde o início da educação infantil é o que garante a cidadania da criança e ações pedagógicas de maior qualidade.
O brincar é a atividade principal do dia a dia. É importante porque dá o poder à criança para tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer a si, os outros e o mundo, repetir ações prazerosas, partilhar brincadeiras com o outro, expressar sua individualidade e identidade, explorar o mundo dos objetos, das pessoas, da natureza e da cultura para compreendê-lo, usar o corpo, os sentidos, os movimentos, as várias linguagens para experimentar situações que lhe chamam a atenção, solucionar problemas e criar. Mas é no plano da imaginação que o brincar se destaca pela mobilização dos significados.
Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da infância que coloca a brincadeira como a ferramenta para a criança se expressar, aprender e se desenvolver. A pouca qualidade da educação infantil pode estar relacionada com a oposição que alguns fazem entre o brincar livre e o dirigido. É preciso desconstruir essa visão equivocada para pensar na criança inteira, que em sua subjetividade, aproveita a liberdade que tem para escolher um brinquedo para brincar, e a mediação do adulto ou de outra criança, para aprender novas brincadeiras. A criança não nasce sabendo brincar, ela precisa aprender, por meio das interações com outras crianças e com os adultos. Ela descobre em contato com objetos e brinquedos certas formas de uso desses materiais. Observando outras crianças e as intervenções da professora ela aprende novas brincadeiras e suas regras. Depois que aprende, pode reproduzir ou recriar novas brincadeiras. Assim elas vão garantindo a circulação e preservação da cultura lúdica.
Para educar a criança na creche é necessário integrar a educação ao cuidado, mas também, a educação, o cuidado e a brincadeira. Essa tarefa depende do projeto curricular.
Não se pode planejar o currículo sem conhecer a criança É bebê2? Criança pequena? Pré-escolar 4? Como aprende e se desenvolve? Cada uma é diferente da outra, vem de famílias e grupos étnicos diferentes.
Cabe à creche e pré-escola, espaços institucionais diferentes do lar, educar a criança de 0 a 5 anos e 11 meses com brinquedos de qualidade, substituindo-os, quando quebram ou não despertam mais o interesse. Para adquirir brinquedos selecionar aqueles com o selo do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia) que já foram testados em sua qualidade com critérios apropriados às crianças.
A seleção de brinquedos envolve diversos aspectos: ser durável, atraente e adequado, apropriado a diversos usos, garantir a segurança, ampliar oportunidades para brincar, atender à diversidade racial, não conter preconceitos de gênero, classe social e etnia, não estimular a violência, incluir diversidade de materiais e tipos: tecnológicos, industrializados, artesanais e produzidos pelas crianças, professoras e pais.
Assim, é preciso considerar:
· TAMANHO. O brinquedo precisa ser duas vezes mais largo que a mão fechada da criança (punho), em suas partes e no todo;
· DURABILIDADE. O brinquedo não pode se quebrar com facilidade. Vidros e garrafas plásticas são os mais perigosos,
CORDAS E CORDÕES. Podem enroscar-se no pescoço da criança;
· BORDAS CORTANTES OU PONTAS. Eliminar tais brinquedos.
· NÃO TÓXICOS. Evitar brinquedo com tintas ou materiais tóxicos, pois o bebê o coloca na boca.
· NÃO INFLAMÁVEL. Assegurar-se de que o brinquedo não pega fogo.
· LAVÁVEL E FEITO COM MATERIAIS QUE PODEM SER LIMPOS. Especialmente para bonecas e brinquedos estofados.
· DIVERTIDO. Assegurar que o brinquedo seja atraente e interessante.
A análise do brincar na educação infantil será efetuada à luz dos artigos 9º a 12º das
Diretrizes Curriculares de Educação Infantil.
Segundo o artigo 9º, os eixos norteadores das práticas pedagógicas devem ser as interações e a brincadeira, indicando que não se pode pensar no brincar sem as interações:
* Interação com a professora: o brincar interativo com a professora é essencial para o conhecimento do mundo social e para dar maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras. Especialmente para bebês são essenciais ações lúdicas que envolvem turnos de falar ou gesticular, esconder e achar objetos.
* Interação com as crianças: o brincar com outras crianças garante a produção, conservação e recriação do repertório lúdico infantil. Essa modalidade de cultura é conhecida como cultura infantil ou cultura lúdica.
* Interação com os brinquedos e materiais: é essencial para o conhecimento do mundo dos objetos. A diversidade de formas, texturas, cores , tamanho, espessura, cheiros, e outras especificidades do objeto são importantes para a criança compreender esse mundo.
* A interação entre criança e ambiente: a organização do ambiente facilita ou dificulta a realização das brincadeiras e das interações entre as crianças e adultos. O ambiente físico reflete as concepções que a instituição assume para educar a criança.
* As interações (relações) entre a Instituição, a família e a criança: a relação entre a instituição e a família possibilita o conhecimento e a inclusão da cultura popular que inclui os brinquedos e brincadeiras que a criança conhece no projeto pedagógico.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil, as práticas pedagógicas devem garantir experiências diversas.
I - Conhecimento de si e do mundo por meio das experiências sensoriais, expressivas e corporais para movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança.
A construção de uma imagem positiva de si e do mundo inicia-se desde o ingresso do bebê na creche, com a atenção e o carinho da professora e os vínculos construídos entre os dois. Quando o bebê se vê diante de um espelho favorece o conhecimento de si e do mundo, porque a criança vê sua imagem refletida no espelho e, pela sua ação, identifica-se como distinta de outras crianças e dos objetos. As brincadeiras enquanto formas de expressão, são também oportunidades para manifestação da individualidade de cada criança, de sua identidade, porque cada uma tem uma singularidade que deve ser respeitada.
A criança utiliza seus órgãos sensoriais para explorar e conhecer o mundo dos objetos. Quando coloca o brinquedo na boca sente a sensação de duro, mole, ampliando as experiências sensoriais e caminhando para a compreensão de conceitos. Texturas, cores, odores, sabores, sons são experiências que a criança adquire no contato com móbiles coloridos, sonoros e brinquedos com diferentes texturas, formas, saquinhos com ervas aromáticas. Os objetos domésticos, de uso cotidiano são importantes itens para ampliar as experiências sensoriais. Objetos feitos com materiais naturais ou de metal, como bucha, escova de dente nova, pente de madeira ou de osso, maçã ou limão, argola de madeira ou de metal, chaveiro com chaves, bolas de tecido, madeira ou borracha, sino e outros, dentro de um cesto de vime, sem alças, grande e com base plana, serve para a exploração livre do bebê que fica sentado. As experiências expressivas só são possíveis quando ele tem a oportunidade de escolher o que fazer, como fazer, com que brinquedo, com quem brincar, para mostrar seus saberes utilizando as formas de expressão que conhece.
O primeiro brinquedo do bebê é o adulto, que conversa e interage com ele, e o faz ver e descobrir o mundo. Entre as brincadeiras interativas que levam o bebê a se expressar é muito conhecida a de esconder e achar com uma fralda, dizendo “cucu”, “escondeu”, “achou”. Quando toma iniciativa e esconde outros brinquedos o bebê já domina a brincadeira e expressa de forma prazerosa, repetindo sua nova experiência, variando as situações. Aqui se encontra o exemplo de como se aprende a dar significados aos movimentos, a compreender e usar regras e a linguagem.
Bebês, em torno de seis meses, utilizam as mãos para manipular objetos, ver o que se pode fazer com eles e encaixá-los. A criança, nessa fase, “pensa com as mãos”. Pinos de encaixe coloridos, no formato de carrinho ou trem, chamam sua atenção e os bebês querem saber o que se pode fazer com tais objetos Usar o corpo como instrumento de conhecimento é característico de bebês e crianças pequenas. Eles gostam de entrar em caixas, em buracos, túneis, passagens estreitas, apreciam empurrar, puxar, subir, encaixar, empilhar. Há brinquedos e materiais que auxiliam o conhecimento do mundo físico, entre os quais, as bolas que são ótimos para apertar, conhecer sua textura, cor, deixar cair para ver como rolam. Há bolas com diferentes funções: produz som no toque, possui face espelhada, que auxilia o conhecimento de si, e buracos, que deixam o bebê enfiar o braço e a mão para explorá-los. O mundo social aparece nas brincadeiras coletivas onde se aprende não só a brincar de forma diferente como conhecer o outro.
A expressão dos movimentos pode ser feito por meio de brinquedos versáteis como o carrinho grande, com corda para puxar, que serve para a professora passear com o bebê que não anda, dar prazer ao que fica sentado, em tirar e colocar as peças que ficam em seu interior e exercitar o movimento da criança que começa a andar e gosta de puxar carrinho.
Outros brinquedos de construção podem servir para os pequenos empilharem e para os maiores construírem novos espaços para as brincadeiras imaginárias Módulos de espuma resistente, revestidos de tecidos emborrachados, de fácil limpeza, servem para criação de estruturas para exploração motora com rampas para subir e descer, pontes, para passar por baixo. Acoplados a outros módulos com buracos e túneis, constituem experiências desafiadoras em que o movimento é a linguagem privilegiada.
A criança que engatinha usa o movimento para deslocar-se em direção aos objetos de seu interesse. É o movimento de seu corpo em ação que mostra o que ela já sabe fazer.
Desafios como subir em almofadas, pegar um brinquedo colocado a uma certa distância ou vários materiais com as mãos, tocar as partes do corpo, brincar com as mãos, os pés, os dedos, são experiências interativas e motoras em que se aprende e se brinca pela repetição das ações.
Triciclos sem pedal ou carrinhos/caixas de empurrar e puxar fazem a criança que começa a andar usar amplos movimentos. Cavalinhos e balanços possibilitam balançar e cavalgar, cubos servem para empilhar. Bancadas de brinquedos para martelar possibilitam a compreensão de que o pino penetra na bancada. É a descoberta da relação entre o martelar e o deslocar.
A criança pequena brinca no colchão, rola, dá cambalhotas, engatinha para percorrer um túnel, sobe no trepa-trepa. O lençol e a colcha servem para balançar a criança ao ritmo de sons, de transporte, quando puxados por um adulto, ou cabana para esconder-se, quando se cobre a mesa.
Crianças pequenas brincam com água, terra, areia e fazem experiências com tintas, alimentos, plantas e outros materiais, para explorar e ver o que acontece, movidas pela curiosidade.
São inúmeras as experiências expressivas, corporais e sensoriais das crianças pelo brincar. Não se podem planejar práticas pedagógicas sem conhecer a criança. Cada uma é diferente de outra e tem preferências conforme sua singularidade. Em qualquer agrupamento infantil, há crianças que estão mais avançadas, outras, em ritmos diferentes.
Dispor de um tempo mais longo, em ambientes com variedade de brinquedos, atende os diferentes ritmos das crianças e respeita a diversidade de seus interesses.
II – Imersão nas diferentes linguagens e domínio de gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical.
Não se pode pensar que a criança utiliza apenas a linguagem verbal para se comunicar. Quando se diz que a criança tem “cem linguagens”, o gesto, a palavra, o desenho, a pintura, as construções tridimensionais, a imitação e a música, todas são linguagens, que oferecem oportunidades para expressão lúdica . Ao brincar a criança usa diferentes formas de expressão: faz gestos, fala, desenha, constrói, imita, brinca com sons, canta.
Toda criança aprende a falar primeiro por gestos, olhares e, depois, usa a palavra para comunicar-se. Nas brincadeiras, a criança relaciona os nomes dos objetos e situações do seu cotidiano e, pela imitação, a linguagem se desenvolve. A dança é também uma forma de expressão por gestos e comunica significados.
As primeiras imitações das crianças surgem apenas como repetição de ações que elas observam. Posteriormente, a imaginação ganha espaço e as crianças assumem personagens durante a brincadeira. Bonecas e acessórios, como berço, carrinho, caminhões de diferentes tipos ( cegonha, caçamba, bombeiro), posto de gasolina, fantoches, bichinhos e kit médico, ampliam o repertório das brincadeiras. Em torno de 3 a 4 anos é o auge do desenvolvimento simbólico. Nesse período, a criança utiliza “guias” ou roteiros que possibilitam desenvolver o tema da brincadeira. Na brincadeira coletiva, em que se partilha o tema de ser o motorista, há um roteiro combinado pelas crianças: uma dirige o caminhão-cegonha que transporta vários carrinhos; outra, o caminhão-caçamba que transporta entulhos e outra, o carro de bombeiro. Mesmo na categoria de motorista, cada uma tem um tipo diferente de trabalho que auxilia a expressão da situação imaginária, e todas se encontram no posto de gasolina, para colocar combustível. A brincadeira de ser motorista, com vários personagens e um roteiro partilhado, enriquece a experiência dramática da criança. A linguagem verbal se amplia nas brincadeiras imaginárias, na companhia de outras crianças e, principalmente, com a participação da professora.
Brincar com tinta, fazer tintas com plantas, com terra e utilizá-las para expressar o prazer de misturar, de ver as cores e, depois, representar coisas que gosta é outra modalidade de linguagem plástica que requer materiais apropriados. Crianças gostam de fazer marcas, para expressar sua individualidade e as tintas são ferramentas para essa finalidade. As massinhas, argila, gesso ou materiais para desenhar, pintar, fazer colagens e construções com diferentes objetos são linguagens plásticas que dão prazer às crianças.
Brincar de bandinha rítmica apropriada a crianças pequenas possibilita experimentar diferentes instrumentos. O brincar de fazer som inclui o movimento do corpo. Um papel amassado ou o bater palmas expressam a sonoridade que se cria com as mãos. Soprar uma pena ou bater na água mostra o poder de fazer coisas: a pena que voa e a água que espirra.
O poder expressivo da brincadeira faz a criança compreender como ela cria tais situações, ao agir sobre os objetos. Assim, ela vai conhecendo o mundo, pela sua ação e sentidos: o som de um jornal amassado, a textura macia de um bichinho de pelúcia, o cheiro de uma fruta, uma bolinha de sabão que voa longe ou se espatifa no chão. Cantar e dançar, construir estruturas tridimensionais com madeiras, caixas de papelão, colchões, blocos são formas de expressão muito apreciadas pelas crianças.
À medida que caminha para o final da educação infantil, amplia-se sua capacidade de utilizar as diversas linguagens por meio de vários gêneros e formas de expressão: gráfica, gestual, verbal, plástica, dramática e musical.
III - Experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais, orais e escritos.
As práticas pedagógicas devem possibilitar a expressão lúdica durante as narrativas, apreciação e interação com a linguagem oral e escrita para que a criança possa aproveitar a cultura popular que já dispõe e adquirir novas experiências pelo contato com diferentes linguagens: 1. falada, que inclui a conversação diária, músicas cantadas, contar e ouvir histórias, brincar com jogos de regras, com jogos imitativos, ver e/ou ouvir TV, vídeos, filmes; 2 escrita, pelo uso de ambiente impresso, livros, cartazes, letras, guias de programação de TV, revistas, jornais, embalagens de brinquedos e alimentos; 3. visual que requer ver e criar desenhos, construções tridimensionais, ilustrações, animação, retrato e imagens móveis, TV, filmes; 4. combinação de linguagens visual/escrita/falada: baseadas em equipamentos que utilizam a tela como meio de expressão e possibilitam a interação entre maquina/expectador, como os computadores/ TV. O uso de Internet, jogos eletrônicos, filmes possibilitam a conjunção de diversas linguagens: falada, escrita e visual. O uso das embalagens de brinquedos e alimentos, livros, revistas, capas de CD privilegia as linguagens escrita e a visual. 5. mediações críticas:um importante suporte para a ampliação das narrativas das crianças é a mediação crítica da professora durante a brincadeira, discutindo um programa de TV ou analisando uma imagem de um livro.
Toda criança aprende a falar em casa, usando a linguagem de sua família. A linguagem se amplia, quando ela tem oportunidade de viver no meio de diferentes gêneros textuais: conversação diária, história, livro, desenho, pintura, TV, rádio, computador, música, dança, embalagens de alimentos. São diferentes formas de representar significados no mundo letrado. Assim, a criança vai diferenciando a fala de sua mãe, seu bichinho de pelúcia, o som da televisão, o pacote de biscoito preferido, a dança da irmã mais velha, o seu nome bordado na toalha e vai compreendendo o mundo ao seu redor.
As brincadeiras interativas com o corpo do bebê são oportunidades para compreender gestos, palavras e significados. Quando a professora brinca: Onde está o nariz do Paulinho? Aqui! e aponta para seu nariz, a criança responde com um sorriso ou um gesto.
Ela está entrando no mundo letrado, em que gestos e palavras têm significado, são textos gestuais e orais. Quando a criança “fala” usando o gesto e o desenho, mostra outras linguagens que conhece e que usa de forma concomitante.
Há diferentes gêneros de histórias que envolvem as crianças. As histórias do mundo encantado dos contos de fadas, dos reis, bruxas e super-heróis tem uma estrutura contendo palavras como: “Era uma vez” “ Depois” “E viveram felizes para sempre”. O começo, meio e fim proporcionado por este gênero de literatura auxilia a criança a ampliar narrativas. Ao agregar a natureza lúdica, no recontar histórias, a expressão livre de experiências, vivências e formas de ver o mundo penetram nas narrativas infantis. Nas histórias recriadas, pelas crianças, a branca de neve virou morena das neves, trazendo as questões da diversidade, o lobo, da história da chapeuzinho vermelho desdobrou-se no lobo do “ bem” e do “mal”. O lobo bom vivia no zoológico e o mau era o homem que mandava matar os animais, um fato ocorrido no zoológico de São Paulo, de matança de animais.
Ao ouvir e recontar histórias, a criança experimenta o prazer de falar sobre o que viu na TV, o que conversou com o amigo ou com os pais, incluindo suas experiências e outras histórias que conhece. Contribuem para as experiências narrativas livros de pano, de papelão, plástico, com imagens para a criança “ler” sozinha, com um amigo ou com a professora e seu agrupamento, em um espaço aconchegante da sala, com tapetes e almofadas para sentar-se, um baú com os tesouros, os livros, que podem ser levados para as casas das crianças para os pais continuarem a experiência da leitura. As crianças gostam de ouvir histórias e, também, fazer comentários. Não gostam de ficar apenas ouvindo, caladas.
Querem participar da história. Vão se tornando leitoras, ouvindo, vendo, falando, gesticulando, lendo, desenhando sua história, construindo novas histórias. Os brinquedos na forma de monstros, animais, bruxas, princesas, super-heróis, personagens preferidos pelas crianças, podem desencadear um “mar de histórias” , em que se criam narrativas imaginativas com as experiências de cada uma. Fantoches na forma de famílias, brancas e negras, animais domésticos ou do zoológico, personagens do folclore, como o saci, o currupira, são importantes recursos nas narrativas infantis.
O contato com diferentes formas de letras em cartazes, propagandas, embalagens, refrigerantes, revistas e jornais auxilia a entrada no mundo letrado. Brincar de colecionar, comparar e fazer álbuns com letras, verificar se uma tem perna de um lado ou de outro, partes abertas e fechadas e diferenciar os números são brincadeiras interessantes que se pode fazer na sala. Brincar de fotografar ou desenhar letreiros, placas de carros, sinais de trânsito, propagandas, visitar um supermercado e verificar sua sinalização e as marcas dos alimentos são interessantes “passeios” para iniciar a criança no mundo com diferentes textos. Desenhar, pintar, dançar, cantar e imitar a mãe que dá comida ao bebê são outras formas de letramento, textos que enriquecem as experiências das crianças. Nesse percurso, é importante que a criança seja agente, tenha iniciativa e oportunidade de falar, de expressar e participar do mundo letrado.
IV - Experiências para recriar, em contextos significativos, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço/temporais.
A entrada no mundo da matemática ocorre quando a professora tem clareza de como encaminhar a criança para brincadeiras em que, movimentando-se no espaço, medindo a sala, com um cabo de vassoura, braços abertos ou com as palmas da mão, fazendo marcas ou números, ela compreende o tamanho ou quantidade. A ação interativa da professora é fundamental nesse processo. Pode desenhar os móveis e objetos dentro da sala, brincar em diferentes posições: deitado, em cima, em baixo, do lado. Contar os dias, ver quantas crianças vieram e quantas faltaram, anotar o calendário diário, se há sol, chuva ou nuvens, verificar as atividades ao longo do dia, classificar conjuntos de objetos com palavras como “nenhum”, “muito”, “pouco”, “bastante”, ou fazer coleções de objetos. Brincadeiras, como a dança das cadeiras, de correspondência entre a criança e a cadeira: a cada criança que sai tira-se uma cadeira. Boliche (de tecido, macio para os menores e mais duro, de plástico, para os maiores) ou argolas no poste, para contar os acertos, brincar de médico para medir as crianças, apostar corrida para ver quem chega primeiro a um lugar marcado, cantar, recitar parlendas, trava-línguas, em ritmos rápidos e lentos, marcar as batidas com as palmas e os pés, aumentar ou diminuir o tom de voz, jogar bolas coloridas, cada cor em uma cesta, brincar de pescar e anotar com marcas ou números os peixes pescados, fazer compra em supermercado, pagando com “dinheiro” feito pelas crianças, são exemplos de brincadeiras que introduzem no mundo da matemática a criança, que já começa a fazer hipóteses de como medir e quantificar.
Jogos, como dominó, bingo, memória, quebra-cabeça, auxiliam o letramento matemático, a relacionar os instrumentos de trabalho às profissões e animais domésticos e selvagens. Blocos lógicos servem para classificação de cores, formas e espessuras mas a criança pode dar outros usos, como empilhar, juntar os blocos para criar formas de animais e objetos, ou um bloco virar sabonete, pente ou comida na brincadeira imaginária.
V - Experiências para ampliar a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas.
Toda brincadeira nova pode trazer um pouco de tensão. O desconhecimento de brincadeiras pode levar a criança a afastar-se do grupo. Para integrar crianças, nada melhor do que iniciar com brincadeiras conhecidas por todas. Depois que, integradas no grupo, elas adquirem confiança, pode-se ensinar novos jogos. Algumas crianças gostam de brincar juntas, outras, sozinhas. É importante criar espaços para a criança brincar sozinha e em grupo. Há carros com dois lugares para os bebês serem puxados por um adulto, assim
como triciclos, com assento regulável, que possibilita sentar-se, sozinho, pedalar e até dar carona a um amigo. Na atividade individual, oferecer materiais e brinquedos interessantes, diferentes e suficientes para atender a todas as crianças, pois os interesses e gostos variam. Cada criança é diferente da outra, na forma de falar, pensar, relacionar-se com os outros, preferir este, não aquele brinquedo. Um agrupamento da mesma faixa etária pode ter interesses comuns específicos, mas a singularidade de cada criança precisa ser respeitada. Para aprender novas formas de brincar, a criança precisa ter contato diário com outras crianças não só do seu agrupamento, mas com as mais velhas em espaços dentro e fora da instituição infantil.
Um bom exemplo de brincadeira individual é o cesto com objetos de uso cotidiano, em que o bebê sentado pode explorá-los, de forma concentrada, de acordo com seu ritmo, manipulando e explorando coisas que lhe interessam.
Nas atividades coletivas é preciso prever não só a diversidade, mas a quantidade de materiais e brinquedos para que todos possam participar. É a oportunidade para as crianças ampliarem contatos sociais. O clima de confiança se estabelece quando se criam momentos em que as crianças ensinam as brincadeiras que conhecem para os novos coleguinhas.
A criança precisa adquirir confiança para brincar com as outras e, para começar, nada melhor do que brincar com brinquedos que já conhece. Brincadeiras da tradição, como pular corda, brincar de amarelinha, caça ao tesouro, brincar com jogo da memória, brincadeiras de faz de conta ou de boliche, dão prazer, quando feitos em grupo.
VI – Experiências mediadas para a aprendizagem da autonomia, nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar.
O desenvolvimento da autonomia não se faz sem ações intencionais. A mediação do adulto durante a brincadeira é essencial para a autonomia e auto-organização da criança.
Um ambiente bem organizado tem brinquedos em estantes baixas, em áreas separadas, com mobiliário adequado, em caixas etiquetadas para a criança saber onde guardar. Esse hábito se adquire durante a brincadeira, em local tranquilo, com opções interessantes e o apoio constante e afetivo da professora. Com apoio da professora, crianças de 2 anos exploram os objetos, de forma autônoma, mas são orientadas a guardar, após o uso, nas sacolas com identificação os objetos do mesmo tipo. A professora faz a mediação, indicando as peças que estão espalhadas e onde devem guardar cada uma delas, até que as crianças adquiram o hábito da auto-organização.
Em um ambiente onde predomina o choro, o medo e os adultos não atendem as necessidades e interesses das crianças, não há bem-estar, condição essencial para a qualidade da educação .
A brincadeira integra os tempos do cuidado e da educação. Para isso é preciso prever uma área de cuidados (troca de fralda, banho, alimentação) separada, mas próxima da área do brincar. Enquanto uma criança toma banho, outra pode ficar brincando. Na bacia ou banheira é muito gostoso encher e esvaziar canecas. No banho e troca de fraldas, evitar ações mecânicas e dar atenção a cada criança, brincando, movimentando seus braços, pernas, comentando cada gesto e dando oportunidade para a criança expressar-se. A brincadeira interativa pode surgir em qualquer momento: a professora olha ou fala com o bebê, que responde com um sorriso, olhar ou balbucio. Quando o bebê inicia o turno interativo temos o brincar. Mesmo durante a alimentação, se o bebê derrubou a colher, brinque, dizendo: “Caiu a colher!” e veja se ele repete a ação para ver o que acontece. Se há repetição com prazer, a brincadeira integrou o cuidar e o educar. Durante a alimentação a criança pode imitar a ação da professora de dar de comer ao seu bichinho de estimação, limpar o rosto com o guardanapo , como vê fazer sua professora além de explorar cheiros, cores e a consistência dos alimentos.
Durante a brincadeira pode surgir confrontos: um empurra o outro, quer tomar-lhe o brinquedo, o que obriga a professora a intervir, para que a criança aprenda a controlar sentimentos de raiva, quando não consegue o brinquedo, levando-a a partilhar a brincadeira com o amiguinho. A mediação da professora é essencial para a criança aprender a enfrentar conflitos durante a brincadeira.
Para aprender e desenvolver-se de forma saudável, toda criança precisa exercitar o corpo com movimentos amplos tanto dentro como fora da sala. Bebês, crianças de 2 anos e de 3 anos e pré-escolares devem ter espaços separados e seguros para brincar, na área interna e externa, adequados às suas necessidades.
Bebês devem ter acesso a um solário próximo a sua sala, com brinquedos, para brincadeiras interativas com as professoras. Crianças que começam a andar devem ser separadas daquelas que correm. Crianças pequenas e pré-escolares devem ter acesso a um playground com grama, pedrinhas, cascalhos, arbustos para esconder-se, tanque de areia, água, árvores frondosas para fazer sombras e estruturas para subir, descer, escorregar.
Prever áreas para brincadeiras tranquilas, separando-as daquelas em que circulam os carrinhos e triciclos.
Os pré-escolares brincam juntos no playground com equipamentos adequados ao seu tamanho, com desafios motores, como morros, estruturas para escalar, pular, descer, girar, balançar. Como são mais independentes, podem levar objetos da sala para a área externa, para criar novas áreas de brincadeiras, lavar e guardar. No caso dos centros infantis com crianças de 0 a 5 anos e 11 meses, por segurança, as menores devem ficar separadas dos pré-escolares.
Em um ambiente de bem-estar, o relaxamento e a tranquilidade favorecem a exploração, levam a criança a observar os que brincam, a escolher o que quer, como quer fazer e com quem brincar. Assim, a criança aprende, sem medo, sem pressões e punições, a diferenciar o mundo das pessoas e dos objetos.
VII – Vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, para favorecer a identidade e a diversidade.
A independência é um princípio ético que se aprende, quando a educadora deixa a criança escolher objetos e brinquedos. Ela aprende a ter responsabilidade e noções de democracia, quando respeita o espaço de brincar do outro, a guardar os brinquedos que não está usando, a emprestar o brinquedo e esperar sua vez de usá-lo.
Desenvolver o senso estético implica usar objetos a seu modo e da forma que aprendeu em casa ou em outro lugar. Brincar com sucata e blocos desenvolve o senso estético e a criatividade porque a criança lhes dá o formato que quer expressando sua forma de ver o mundo, como fez uma criança que observou o pai reformar o jardim de sua casa e, na creche, usou blocos de construção, para fazer um jardim, similar ao construído por seu pai. No faz de conta, a criança utiliza a panela de barro ou de alumínio, para fazer comida, a rede, o berço ou o cesto para pôr a boneca para dormir. Organiza o espaço da casinha, com objetos, conforme vê fazer em casa, pinta e desenha com traços, cores e formas valorizados pela família, construindo brinquedos ou objetos de seu interesse, dança, canta, narra e participa de festas populares típicas da comunidade.
Brincando com crianças de outros países ou de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, do campo e afrodescendentes, as crianças aprendem suas brincadeiras típicas.
Nas brincadeiras de faz de conta, o pentear o cabelo no salão de beleza, diante do espelho, leva a criança conhecer a cor de sua pele, o tipo de cabelo e apreciar a estética de seu grupo cultural. A mediação da professora, quando valoriza as características de cada uma, auxilia a construção da identidade da criança. Oferecer bonecas negras, brancas e objetos de enfeite de cada agrupamento cultural nas áreas de faz de conta possibilita vivenciar o modo de vida da criança e sua família.
Criar um ambiente em que meninos e meninas tenham acesso a todos os brinquedos sem distinção de sexo, classe social ou etnia. Ficar passiva diante dos preconceitos, é uma forma de reproduzi-los. É preciso desconstruir tais práticas, assumindo claras posturas para evitar a permanência dos preconceitos.
Organizar, com os pais, momentos para os contos e vivências de brincadeiras típicas da comunidade para aumentar o repertório de brincadeiras de todas as crianças e propiciar a aprendizagem do respeito às formas de vida dos vários grupos. Evitar exposições “turísticas” de crianças vestidas com roupas típicas ou acompanhadas de comidas regionais, que pouco contribui para a vivência ética e estética das crianças de grupos culturais.
A diversidade inclui, ainda, a singularidade de cada criança, não posso oferecer a mesma prática para todas, cada uma é diferente da outra, mesmo apresentando algumas características, que são comuns nos grupos culturais. Isso exige a observação de cada criança, para que os interesses e as necessidades de cada uma façam parte do planejamento curricular, não apenas na sua entrada na creche, mas a qualquer momento, para ampliar, todos os dias, as oportunidades de educação. As crianças com problemas físicos, que usam cadeiras de rodas, precisam de rampas para o deslocamento, as cegas e com baixa visão, de pisos diferenciados para orientação e mobilidade através das texturas do chão. As crianças com deficiências, dificuldades de aprendizagem ou as superdotadas requerem ambientes ricos para suas necessidades, mas não devem ficar separadas das outras para brincar.
Utilizar brincadeiras em que as crianças se colocam no lugar das crianças com deficiência é uma forma de compreender tais dificuldades para valorizá-las: experimentar de olhos vendados adivinhar quais são os objetos de dentro de uma caixa (cegas); tirar o som da televisão e deixar que as crianças tentem compreender o que se passa (surdas) ou colocar meias grossas nas mãos para abotoar botões ou amarrar os sapatos (paralisia cerebral).
Mostrar quadros e cartões pintados por deficientes físicos com os pés e as mãos para as crianças perceberem que eles também têm saberes e que podem aprender e fazer cartões e quadros maravilhosos. Crianças que tem pouco controle manual, tem dificuldade de acionar o botão, com dedos em pinça, para brincar com brinquedos tecnológicos, movidos a pilha.
Neste caso, basta fazer uma pequena adaptação, com ajuda de pais, que entendem de eletricidade, substituindo o botão por uma superfície maior. Com apenas a batida da mão garante-se a oportunidade igual para essas crianças, de brincar.
VIII - Curiosidade, exploração, encantamento, questionamento, indagação e conhecimento em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza.
O brincar desperta a curiosidade das crianças na exploração de objetos e brinquedos eleva-as a verem o que se pode fazer com cada objeto: uma bola pode rolar, pular, mas pode-se morder para ver a textura. A criança encanta-se, quando descobre o botão que aciona o som da caixa de música e repete pelo prazer de ouvir o som. Encanta-se, quando vê reaparecer um objeto que enfiou na abertura de uma caixa. Questiona a razão da água não parar na peneira, o que faz emergir a hipótese de “segurar” a água com a mão debaixo da peneira. Assim, vão aprendendo, experimentando e repetindo várias vezes, em contato com os objetos do mundo físico, o que as coisas fazem e o que se pode fazer com cada coisa.
Brincando com objetos para produzir som, espelhos para se ver e aos outros, carvão ou giz de cera para desenhar, fazer sombra ou luz com vela ou lanterna, produzir fontes com água, fazer relógio de sol, plantas para fazer tintas, misturar tintas ou terra, para criar cores, as crianças entram em contato com o mundo físico. Ampliam seu conhecimento, quando utilizam elementos da natureza, para colecionar e produzir outras coisas com uso de flores, folhas, sementes e observam o que se faz com a água, areia, terra. Vão compreendendo como o tempo passa quando comemoram aniversários, organizam o tempo diário de atividades, observam as estações do ano e as previsões climáticas. As crianças percebem o tempo passar quando observam as mudanças de como era a sala antes e depois da reforma ou quando observam uma planta que nasceu, cresceu, deu flores e frutos.
Brincar de recriar o antes e o depois no cotidiano é a oportunidade para compreender o significado do tempo.
O mundo social surge, quando a criança interage com outras pessoas para aprender e expressar suas brincadeiras. Pular amarelinha, rodar um pião, jogar peteca: primeiro se aprende e depois se brinca. Jogos de tabuleiro e suas regras são criações da sociedade e trazem os valores do ganhar ou perder, comprar e vender . Na brincadeira de faz de conta o mundo social aparece na sua temática: ser médico, professora, motorista.
Brincadeiras como fazer cabana com folhas e galhos, brincar nos troncos das árvores expressam os valores de comunidades rurais. O mundo tecnológico aparece representado nos brinquedos como o celular, o fogão, a geladeira.
IX - Relacionamento e interação entre as crianças durante as manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura.
A diversidade de experiências adquiridas nas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura lúdicas tem o potencial de aproximar crianças. Cada criança utiliza seu acervo de experiências, que serve como ferramenta para fazer amizades e brincar junto. Cabe à instituição infantil oferecer a diversidade de experiências culturais para a promoção do relacionamento e da interação entre as crianças. As crianças quando utilizam esses saberes durante as brincadeiras o fazem de forma integrada. Como ela utiliza tais expressões de forma conjunta?
A criança é agente e é ativa. Gosta de tomar iniciativa para escolher a modalidade de expressão lúdica, ter amigos para brincar e é ativa, porque faz várias coisas ao mesmo tempo. Um grupo de crianças pode brincar de dançar e cantar e chamar uma platéia (outras crianças) para assistir. Só aqui se integram três formas de manifestação lúdica. Outras podem contar histórias, escrever poesia e construir um livro. Outras ainda podem produzir desenhos, fazer colagens com diferentes materiais, fotografar e expor para os amigos. Mas para adquirir tais experiências é preciso que se ofereçam oportunidades para a vivência de tais manifestações da cultura.
A unidade do ser humano pode ser exemplificada nas brincadeiras. A ação da criança no faz de conta inclui várias dimensões: ela expressa o prazer de pegar uma panela de barro ou de alumínio, conforme a tradição familiar ou da comunidade, e organiza o espaço da cozinha, utilizando seus conhecimentos prévios. Conversa com sua boneca ou parceiros de brincadeiras, com gestos ou palavras, movimenta-se na área da cozinha para dar de comer à boneca preferida e decide se vai dar a mamadeira ou a papinha para o “bebê”. Nessa brincadeira, integram-se os gestos, os movimentos, a linguagem falada, a forma de organização estética da casa, a autonomia para decidir o que fazer e a forma de brincar que aprendeu em casa ou na instituição infantil.
X - Interação, cuidado, preservação, conhecimento da biodiversidade e sustentabilidade da vida na Terra e o não desperdício dos recursos naturais.
A criança pode brincar com brinquedo industrializado, artesanal, construído por adultos e crianças, além de materiais de sucata e da natureza.
O brinquedo deve ser utilizado, mas com responsabilidade. Aprender a usar, limpar e guardar. Reutilizar materiais. Pode-se construir mobiliário para organizar o ambiente de brincadeira junto com as crianças, com caixas de leite de papelão, enchidas com jornal picado e amassado e presas com fita crepe, recobertas de jornal picado e cola ou tecido. São muitos os brinquedos feitos com materiais de sucata que divertem as crianças.
Respeitar o meio ambiente significa não jogar papéis e brinquedos pelo chão, usar os materiais sem desperdiçar, para aprender a preservar os recursos naturais, reutilizar materiais, como caixas, copinhos de iogurte e garrafas de plástico para construir brinquedos. Ao brincar com coisas que conhece, que aprendeu com a família e amigos do seu grupo étnico/racial, a criança aprende a construir sua identidade e compreende que outras crianças brincam de forma diferente.
A criança explora o mundo, vendo casas, prédios, morros, florestas, árvores com flores e frutos, pássaros, animais, nuvens, céu, plantações, rios, riachos e o mar, jardins, ruas, bueiros, lixos, fumaça das fábricas, mangues, supermercado e carros, e desta forma vai compreendendo o mundo em que vive, brincando com seus amigos, cuidado para preservar a natureza sem o desperdício dos recursos naturais.
XI - Interação e conhecimento das manifestações e tradições culturais brasileiras.
A riqueza cultural do Brasil propicia diversidade de manifestações de tradições do folclore, com as festas do boi bumbá, maracatu, congada, festas juninas, carnaval, reisado, entre outros, e objetos que acompanham essas expressões, como os instrumentos musicais, os objetos e as fantasias. As crianças podem construir um boi bumbá para brincar. Uma caixa de papelão, ornamentada, com um buraco, para que a criança entre dentro dela e a carregue em seu corpo, dá vida ao “ boi”, construído com sucata, uma forma divertida de entrar nas tradições culturais. Contar histórias, aprender as músicas e danças que acompanham as tradições, para que a criança penetre no significado dessas culturas. Cada família pode trazer para a instituição infantil os objetos valorizados pela sua comunidade, criando um pequeno museu, fortalecendo as tradições culturais brasileiras e ampliando as oportunidades para comentários de crianças e familiares.
XII – Uso de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas e outros recursos tecnológicos e midiáticos.
A tecnologia está em toda parte. Mesmo de forma incipiente, em regiões do sertão ou de quilombo, a circulação entre o campo e a cidade, para o trabalho, traz a televisão, o celular, a máquina fotográfica. A criança pode brincar de entrevistar pessoas, com uso de gravador, fotografar o entorno ou seus amigos, para depois projetar e fazer comentários.
Com apoio da professora, pode pesquisar temas de interesse na internet, gravar e imprimir desenhos das crianças no computador. A professora pode gravar cenas de crianças brincando para que elas possam rever o que fizeram, criando oportunidade para novas expressões durante a observação das cenas, o que gera prazer e contribui para o desenvolvimento da memória. Ver junto com as crianças os programas que apreciam, para comentar, avaliando a sua qualidade, colabora para uma visão crítica dos meios de comunicação.
Parágrafo único – Formas de Integração das características, identidade institucional e particularidades pedagógicas de cada creche e pré-escola na proposta curricular.
Toda educação tem valores. Para que a educação tenha raízes na cultura é preciso que ela inclua os valores da comunidade na qual está inserida. Cada comunidade deve ter o direito de escolher as propostas pedagógicas para suas creches e pré-escolas que reflitam os valores de seu povo, que espelhem as escolhas do grupo. Como integrar os eixos norteadores das práticas curriculares da educação infantil (interações e a brincadeira) com as experiências da comunidade?
Na comunidade indígena, a onça, o macaco, as aves e os peixes estão presentes nos contos e brincadeiras coletivas e mostram os valores de sua cultura e sua ligação com a natureza. O brincar no rio, subir nas árvores, construir brinquedos com sementes, frutos e galhos são práticas que preservam seus valores e tradições, que remontam a tempos longínquos. As práticas cotidianas garantem a memória do povo e a continuidade de sua cultura, por isso a língua materna, a escrita, as músicas, os contos, os jogos e as brincadeiras indígenas devem fazer parte do repertório de suas creches e pré-escolas.
Se a mãe indígena carrega o bebê na tipóia presa ao corpo durante os afazeres diários, é fundamental manter essa prática, quando possível. A professora deve garantir a continuidade do lar na creche e, ao mesmo tempo, introduzir as brincadeiras interativas com o bebê, com chocalhos de cascas e sementes de frutas e, gradativamente, jogos coletivos, rituais e festas.
Ao aprender as brincadeiras de seus amigos de descendência americana, indígena, asiática, européia ou africana, a criança aprende a respeitar os povos. Ela pode brincar à moda japonesa com “janquempô”, um meio de escolher o pegador, usando a mão como pedra, tesoura ou papel, brincando de bola, usando termos, como “pelota”, como seu amigo boliviano, com a “pandorga” de seu amigo do sul, brincando com personagens do mundo animal ou algum outro jogo. Bonecas negras, brancas, com traços físicos diferentes, contribuem para que a criança compreenda a identidade de cada povo e aprenda a respeitar as especificidades étnico/raciais, evitando o preconceito e as discriminações.
As crianças que vivem na zona rural têm experiências diferentes das que moram na cidade. Vivem em contato direto com a natureza, em florestas ou matas, junto a rios ou campos. Os pais caçam, pescam, plantam e colhem cereais e frutos, fazem artesanato. As crianças brincam nas árvores, fazendo cabanas, gangorras e balanços com cipós, nadam nos rios e riachos, mas também brincam com bonecas e assistem televisão. Para aproveitar essa vivência, é preciso colocar na instituição infantil brinquedos com troncos de árvores, carrinhos de madeira, cabanas com troncos e galhos, madeira para fazer estilingue ou pião, flores e frutos para fazer “comida” e outros industrializados. Uma pedrinha tem inúmeras utilidades: vira uma peça de jogo ou serve para marcar os pontos. A pescaria, quando a criança “conta” quantos peixes pescou, estimula a emergência do letramento na matemática.
Na creche ou pré-escola, os utensílios de cozinha estimulam o faz de conta. Panelas de barro para brincar de “ fazer comida”, rede para a boneca dormir reproduzem a vivência das crianças que dormem em rede. Cestos de mandioca e de abóbora, enxadas, peneiras, redes, varas de pescar e cestos com estilos regionais servem para brincar e explorar a temática do trabalho nas brincadeiras. Com a argila, abundante em certas regiões, pode-se fazer artesanato, brinquedos em miniatura com as formas típicas do lugar.
Considerando que cada cultura tem seus valores e práticas que devem ser preservados para guardar a memória de um povo, como integrá-los com a tecnologia?
Nos centros urbanos é mais fácil a integração, porque a tecnologia está presente em tudo, mas na zona rural, isso não ocorre. Cabe à creche e pré-escola selecionar o que é importante, para criar um espaço onde coexistam a tradição e a modernidade.
Na zona urbana, há diversidade de situações. Há projetos curriculares que se diferenciam, quando a creche ou pré-escola se alia a outro grupo formador, como universidade, centro de formação, ou outros serviços como posto de saúde, entidade social ou cultural do bairro ou biblioteca. O apoio financeiro modifica espaços físicos, amplia o acervo de brinquedos e materiais mas são as ações de formação profissional e um brincar interativo que melhoram a qualidade da educação infantil. Uma prática importante é avaliar a qualidade do trabalho pedagógico pelo envolvimento do adulto e da criança no brincar.
Art. 10. I Acompanhamento e avaliação do trabalho pedagógico sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, por meio da observação crítica e criativa das atividades.
Se o brincar é um dos eixos importantes do trabalho pedagógico, é preciso observar e acompanhar cada criança para verificar: quais foram seus brinquedos preferidos, com quem brincou, como brincou, o que fez de novo em cada semana, se interagiu com a diversidade dos objetos e pessoas de seu agrupamento e de outros, se brincou de faz de conta com guias simples ou complexos, com quem e o que fez. A ausência de guias mais complexos pode ter como causa a falta de brinquedos adequados para ampliar o repertório das crianças, a falta da participação da professora no brincar ou a falta de estruturação, com brinquedos e mobiliário adequados ao ambiente da brincadeira. As ações repetidas de manipulação de um tipo de brinquedo para um bebê faz parte de sua forma de explorar, mas, para uma criança de 2 a 3 anos, pode ser um problema. É preciso verificar a causa.
Muitas vezes faltam brinquedos e a ação da professora para diversificar o brincar. Definir diariamente que crianças observar, a fim de que, ao longo da semana, seja possível observar todo o agrupamento é uma estratégia para organizar os registros. É pela observação diária dos interesses e da evolução do brincar de cada criança que se pode acompanhar a qualidade do trabalho pedagógico. Os instrumentos de observação e registro devem servir como base para o planejamento das atividades.
II – Utilização de registros de adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns, etc.)
Como fazer observações? É preciso planejar como e quando colher os dados e sistematizar os registros: usar fotografias, selecionar desenhos e outras produções das crianças, verificar quais são os preferidos pelas crianças e professora e suas razões e elaborar relatórios de atividades. O conjunto de registros compõe o Portfólio, a documentação que vai mostrar o processo da criança. Esse documento, exposto nas paredes da sala, serve de consulta para a criança que gosta de ver suas produções e fazer comentários. Os registros feitos por adultos ou pelas crianças indicam o que elas gostam de fazer. Quando se registra o brincar livre, guarda-se marcas de um tempo e um lugar, ou seja, marcas históricas deixadas pelas crianças, que podem ser aproveitadas para o planejamento de atividades dirigidas, com a participação das crianças e suas famílias.
III – Continuidade dos processos de aprendizagens por meio de estratégias de transição (casa/instituição de Educação Infantil, interior da instituição e creche/pré-escola)
As transições ou mudanças são muito difíceis para toda criança. Há transições de uma atividade a outra, de um ano a outro, dentro de uma creche ou pré-escola e de instituições. Para passar de uma atividade a outra, é preciso flexibilidade de horário, para deixar a criança que ainda brinca, que tem um ritmo mais lento terminar com tranquilidade, evitando choro e desconforto.
Mudar da casa para a creche, da creche para a pré-escola e da pré-escola para a primeira série do ensino fundamental são transições radicais que são temidas pelas crianças. Como fazer essas transições tranquilas, sem criar traumas?
Quando se conhece o lugar, não se tem medo. Assim, a primeira providência é fazer visitas e passeios ao novo local, conhecer o espaço, as professoras, o que as crianças fazem nesse novo local. Dentro da mesma instituição, criar brincadeiras de integração, em que as crianças brincam com seus colegas de agrupamentos mais adiantados. Para preparar a transição para outra instituição, brincar de entrevistar futuros amiguinhos, saber de seus brinquedos, fotografar, desenhar e falar sobre o novo lugar. Criar momentos em que as crianças ensinam brincadeiras que conhecem para os novos amiguinhos de outra instituição infantil são alternativas de transição que não criam traumas.
IV – Documentação sobre a aprendizagem e desenvolvimento da criança e o trabalho com famílias
Como registro e documentação dos brinquedos e brincadeiras, o portfólio pode circular na casa das crianças, para que as famílias colaborem informando as brincadeiras preferidas dos seus filhos e saibam como eles aprendem e se desenvolvem ampliando a cultura sobre o brincar. É um material que auxilia a integrar a família à creche e pré-escola, quando os pais dão sequência, em casa, às atividades do centro infantil, inserindo comentários, fotografias ou objetos que tenham significado com tais registros. A exposição dos documentos nas paredes da instituição infantil é importante recurso de avaliação e divulgação do seu trabalho Assim, aumentam seu repertório de brincadeiras e aprendem.
V. A não retenção das crianças na Educação Infantil
A Educação Infantil é uma importante fase que constrói os pilares da educação e desenvolvimento da criança, o que requer observar e registrar suas atividades, para integrar e ampliar suas experiências lúdicas e interativas, priorizando seu acompanhamento, não a retenção.
Art. 11. Transição para o Ensino Fundamental, continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeito às especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos.
As crianças de 6 anos foram transferidas para o Ensino Fundamental, mas continuam sendo crianças. A melhor forma de garantir a continuidade de seu processo de aprendizagem e desenvolvimento é incluir no projeto pedagógico do Ensino Fundamental brincadeiras que ampliam os interesses para as diversas modalidades de letramento, ampliando cada vez mais a ação orientadora da professora.
IMPORTANTE: procurar sempre: observar, acompanhar e participar do brincar da criança para criar vínculos, fazer mediações:
1. Observar: olhar sua criança para ver o que ela já sabe fazer e quais são suas atividades favoritas;
2. Acompanhar: juntar-se ao brincar da criança. Você pode aumentar a complexidade do brincar, mas deixar a criança controlar e determinar a direção do brincar;
3. Ser criativo: redescobrir a criança dentro de si e experimentar novas formas de brincar com o brinquedo. Usar o brinquedo como suporte para descobrir muitas maneiras de brincar com as crianças
Sugestões de Brinquedos e Materiais para Educação Infantil
Idades Sugestões
Bebês (0 a 1 ano e meio)
Chocalhos, móbiles sonoros, sinos, brinquedos para morder, bolas 40 cm e menores, blocos macios, livros e imagens coloridos, brinquedos de empilhar, encaixar, espelhos.
Objetos com texturas (mole, rugoso, liso, duro) e coloridos, que fazem som (brinquedos musicais ou que emitem som), de movimento ( carros e objetos para empurrar), para encher e esvaziar. Brinquedos de parque. Brinquedos para bater.
Cesto com objetos de materiais naturais, metal e de uso cotidiano.
Colcha, rede e colchonete. Bichinhos de pelúcia. Estruturas com blocos de espuma para subir, descer, entrar em túneis.
Crianças pequenas (1 ano e meio a 3 anos e 11 meses)
Túneis, caixas e espaços para entrar e esconder-se, brinquedos para empurrar, puxar, bolas, quebra-cabeças simples, brinquedos de bater, livros de história, fantoches e teatro, blocos, encaixes, jogos de memória e de percurso, animais de pelúcia, bonecos/as, massinha e tinturas de dedo. Bonecas/os, brinquedos, mobiliário e acessórios para faz de conta.
Sucata doméstica e industrial e materiais da natureza. Sacolas e latas com objetos diversos de uso cotidiano para exploração. TV, computador, aparelho de som, CD. Triciclos e carrinhos para empurrar e dirigir, tanques de areia, brinquedos de areia e água, estruturas para trepar, subir, descer, balançar, esconder. Bola, corda, bambolê, papagaio, perna de pau, amarelinha. Materiais de artes e construções. Tecidos diversos. Bandinha rítmica
Crianças Maiores Pré-escolares (4 e 5 anos e 11 meses)
Boliches, jogos de percurso, memória, quebra-cabeça, dominó, blocos lógicos, loto, jogos de profissões e outros temas, materiais de arte, pintura, desenho, CD com músicas, danças, jogos de construção, brinquedos para faz de conta e acessórios para brincar, teatro e fantoches. Materiais e brinquedos estruturados e não estruturados. Bandinha rítmica.Teatro e fantoches.Brinquedos de parque. Tanques de areia e materiais diversos para brincadeiras na água e areia.
Sucata doméstica e industrial e materiais da natureza. Papéis, papelão, cartonados, revistas, jornais, gibis, cartazes e folhas de propaganda. Bola, corda, bambolê, pião, papagaio, 5 Marias, bilboquê, perna de pau,amarelinha, varetas gigantes. Triciclos, carrinhos, equipamentos de parque.
Livros infantis, letras móveis, material dourado, globo, mapas, lupas, balança, peneiras, copinhos e colheres de medida, gravador, TV, máquina fotográfica, aparelho de som, computador, impressora.
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