1. Educação Nutricional: Uma Questão de Concepção
A Educação Nutricional deve abster-se de recordar hábitos alimentares, oferecendo condição ao indivíduo de desenvolver mecanismos conscientes para a solução de seus problemas alimentares e nutricionais, tornando-o responsável pelas suas escolhas, após o conhecimento das consequências das suas práticas alimentares.
(Vitolo, Gaglianone e Grazini).
A alimentação é um dos componentes da vida cotidiana de qualquer grupo social. Está presente na rede de relações sociais, participando de determinados padrões de comportamento.
O ato de se alimentar talvez seja uma das formas mais concretas para a criança estabelecer contato com o mundo, isto é, descobrir necessidades, texturas, temperaturas, sabores, aromas e, principalmente, as emoções que envolvem a alimentação.
É necessário que a alimentação seja compreendida não apenas sob seu aspecto físico, de satisfação da fome em função das necessidades de preservação da saúde e da vida, mas seja encarada também face aos aspectos educacionais, afetivos e sociais.
A infância é um período de intenso crescimento, desenvolvimento e aprendizado e os hábitos alimentares adquiridos, principalmente nos cinco primeiros anos de vida tendem a se solidificar na vida adulta e estudos demonstram que:
• Nos últimos anos a obesidade tem aumentado consideravelmente, visto que atualmente enfrentamos um período de transição nutricional;
• Doenças não transmissíveis como: hipercolesterolemia, diabetes e hipertensão estão se manifestando cada vez mais cedo;
• A anemia é um grande problema de Saúde Pública, atingindo mais de 50% dos pré-escolares.
Estes fatores devem ser prevenidos com alimentação adequada e a escola constitui um núcleo de promoção de saúde, uma vez que propicia situações, tempos e espaços privilegiados para reflexão e adoção de hábitos alimentares saudáveis.
Dentro deste contexto, o Programa de Alimentação Escolar deve ter sua visão ampliada, não mais pelo foco assistencialista, mas sim como instrumento pedagógico com múltiplas possibilidades educativas, tendo a Educação Nutricional e Alimentar como ferramenta de valorização dos hábitos alimentares, respeitando a identidade cultural, incentivando o direito de escolha e estimulando o “sentimento de pertença” das crianças.
Entendemos que, para o desenvolvimento de projetos efetivos de Educação Nutricional, além dos conhecimentos de nutrição, é necessário também trabalhar com os aspectos relacionados à educação, para tanto é fundamental a realização de um trabalho em parceria do Departamento de Merenda Escolar e a Secretaria de Educação.
Acreditamos ainda que, na medida em que profissionais se conscientizem do seu papel de educadores, explorando o ambiente do CEI como um espaço facilitador, as ações relacionadas à alimentação poderão ser incorporadas ao universo da criança. O cuidar é uma ação complexa que envolve diferentes fazeres, gestos, precauções, atenção e olhares.
Deve-se planejar situações que ofereçam à criança acolhimento, atenção, estímulo, desafio, de modo que ela satisfaça suas necessidades de diversos tipos e aprenda a fazê-lo de forma cada vez mais autônoma.
Entendemos que projetos de educação nutricional, conduzidos em observância com esta concepção, ganham credibilidade na medida em que têm como princípio despertar e sensibilizar os educadores para incentivar nas crianças hábitos alimentares saudáveis, estimular sua autonomia e o direito de escolha, construindo um novo olhar conscientizador e libertador para as questões ligadas à alimentação.
“Os momentos das refeições na creche são considerados como atividades pedagógicas de grande valor no aprendizado infantil” Holland, C.V.
2. Educação Alimentar no Ambiente dos CEIs: Um Trabalho Possível?
Mulheres e homens, somos os únicos seres que social e historicamente nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (Paulo Freire).
As ações de saúde deverão favorecer o equilíbrio que a criança estabelece com o meio e, não somente prevenir e combater as doenças. A criança deve se sentir segura, feliz, capaz e autônoma. A conjunção destes fatores é importante para contribuir à promoção da saúde e, uma alimentação saudável com qualidade higiênico-sanitária satisfatória faz parte deste processo.
Com este olhar, o trabalho com alimentação deve ser planejado visando, além da criança, à comunidade e à família, uma vez que é fundamental que estas questões sejam reconhecidas e abordadas também fora do ambiente dos CEIs.
Desta maneira, conhecimentos de nutrição, com práticas educativas relacionadas ao repertório da criança, de forma a ampliar suas possibilidades, devem ser socializadas a todos.
É, portanto, condição fundamental entender e enxergar a criança como um todo, como um cidadão com identidade, direito e deveres, assegurando à criança o acesso às informações, que lhes ajudem a observar e a construir suas significações pessoais sobre o mundo e sobre si mesmos, de maneira única e inovadora.
Partindo-se desta premissa, para uma adequada organização de cada CEI, dentro de sua própria realidade, é importante refletir e discutir o binômio CUIDAR x EDUCAR, uma vez que uma educação que cuida da criança propõe metas valiosas à sua aprendizagem e seu desenvolvimento e, além disso, seleciona experiências de aprendizagem socialmente relevantes e pessoalmente significativas.
2.1. A Questão Pedagógica no Sistema de Distribuição Autosserviço (Self service)
Entre as diferentes práticas educativas utilizadas em Educação Alimentar, citamos o sistema de distribuição autosserviço, onde a criança se serve do que quer alimentar-se.
A implantação é uma iniciativa da própria Unidade Educacional e, como condição fundamental e referencial, esse sistema deve estar alinhado ao Projeto Pedagógico de cada CEI.
Cabe ressaltar a necessidade dos educadores em realizar um trabalho pedagógico para acompanhar diariamente as crianças, durante as refeições, para que coloquem na prática as competências que estão adquirindo diante do autosserviço incentivando-as a experimentar todos os alimentos que compõem o cardápio e consumir uma porção adequada.
Caso esta prática não seja respeitada como condição essencial, o autosserviço passa a ser uma atividade não educativa, sem alcançar o objetivo que se propõe.
É recomendado a partir de 2 anos de idade e, quando há um acompanhamento pedagógico adequado, é o sistema de distribuição mais indicado, uma vez que as crianças possuem características individuais, inclusive com relação ao apetite e às preferências alimentares.
2.1.1. Com o Prato e os Talheres nas Mãos
O sistema de distribuição autosserviço, uma vez alinhado às ações pedagógicas do CEI, proporciona à criança a oportunidade de:
• Sociabilizar-se, através do ato de alimentar-se;
• Escolher o quê e quanto comer, tendo suas preferências alimentares mais respeitadas;
• Aprender a preparar seu prato de forma adequada, tanto na quantidade como na qualidade dos alimentos escolhidos, contribuindo ainda para a diminuição do desperdício;
• Ser incentivada e motivada a experimentar os diversos alimentos ofertados nas refeições, dentro de um grupo social pelo qual tem fortes laços afetivos, o que muito contribui para a formação de um comportamento alimentar adequado;
• Ser motivada a realizar mudanças positivas caso seu comportamento alimentar esteja inadequado, visando incentivá-la a promover hábitos alimentares saudáveis.
• Ser estimulada a utilizar corretamente os talheres.
Dica: Oferecer talheres no tamanho adequado de acordo com o estágio de vida, sendo que garfos e facas são indicados a partir de 4 anos de idade.
2.1.2. O Desenvolvimento da Autonomia
A autonomia deve ser compreendida como uma capacidade a ser construída pela criança e, também, como um princípio didático, que orienta as práticas educativas promovidas pelos CEIs.
Deve estar associada a uma proposta pedagógica que considere a construção do conhecimento e à valorização de suas vivências pessoais.
A partir do desenvolvimento dos aspectos sociais, educativos e afetivos, proporciona à criança, desde a mais tenra idade, exercer as suas capacidades de refletir, assumir responsabilidade, resolver problemas e tomar decisões.
Neste momento, o conceito de autonomia, associado à prática do autosserviço fica relacionado a uma escolha consciente dos alimentos e não simplesmente a uma escolha arbitrária.
A criança servindo-se sozinha, de forma organizada, adota um comportamento alimentar saudável e fica responsável por suas escolhas alimentares.
2.2. Acompanhamento das Crianças Durante as Refeições: Uma Construção ao Longo do Tempo
Adoro ver as crianças descobrindo o universo alimentar, o olfato quase virgem, a arte de saber cheirar, o palato vivo e aguçado, as mãos, e não só as bocas, para sentir a textura e o contato com o novo, a primeira vez!
(Marcelo Fromer)
O educador ao acompanhar a criança, enquanto se alimenta, deve estar atento, entre outros fatores, para os seguintes aspectos:
• Dedicar-lhe atenção, no momento das refeições, prontificando- se a ajudá-la;
• Incentivar o consumo dos diversos alimentos oferecidos no cardápio;
• Respeitar seu ritmo alimentar e paladar;
• Orientá-la para comer com moderação;
• Permitir que se alimente sozinha, orientando-a como fazer e não reprimindo-a quando derramar ou espalhar os alimentos;
• Jamais castigar, chantagear, constranger ou forçar a criança, quando se recusar a comer.
Isto porque, a recusa em alimentar-se é uma atitude normal e, caso seja submetida a uma atitude repressora, poderá adotar um comportamento alimentar inadequado;
• Jamais utilizar o alimento como prêmio, distração ou recompensa, para não associar a comida como “companheira”, podendo levar a algum distúrbio alimentar ou outros comportamentos não saudáveis;
• Observar a velocidade com que a criança se alimenta:
• Ao comer muito rápido: poderá levá-la a comer em excesso (o organismo não tem tempo de sentir os sinais de saciedade) e pode acarretar problemas digestivos. Neste caso, para que coma mais devagar, ofereça-lhe os alimentos separadamente, estimulando a comer o quanto quiser, mas devagar, mastigando bem os alimentos para sentir seu sabor e os “sinais de saciedade”;
• Ao comer muito devagar: estimular a comer no ritmo normal, considerando a fase de seu desenvolvimento.
• Não se esqueça, de que o ato de alimentar-se sozinha, é uma sensação nova para a criança e deve ser realizado com prazer.
• Estimulá-la a comer novos alimentos, para que não prevaleça sua tendência natural de rejeitar aqueles ainda não provados;
• Trabalhar as manifestações de crenças; tabus; mitos e preconceitos alimentares;
• Incentivar o consumo das frutas, legumes e verduras nas refeições, mesmo que ainda não os aprecie e nunca obrigá-la a comê-los e nem criticá-la se deixar sobra no prato; ao comer com prazer ao seu lado, certamente a criança desenvolverá atitudes positivas em relação à alimentação;
• Permitir, em situações especiais (festas), que a criança possa comer, com moderação, alimentos típicos de festa, para que não seja submetida a comportamentos radicais, os quais acabam levando à indesejável valorização dos alimentos “proibidos”;
• Poupar a criança de restrições alimentares severas, mesmo se obesa, porque seu organismo está em fase de crescimento.
2.3. O Ambiente Alimentar da Criança: É Um Espaço Educativo?
O ato de alimentar-se oferece, também, inúmeras oportunidades para o desenvolvimento pessoal e social da criança: o comer sozinho, o preferir alimentos, o despertar para cores e novos sabores na alquimia da transformação dos alimentos.
Dessa forma, é muito importante o ambiente, a maneira pela qual a criança se alimenta, as companhias e sua relação com o alimento.
Tais fatores estão diretamente relacionados com o trabalho educativo que estimule um comportamento alimentar adequado, a aceitação dos alimentos para a formação de hábitos alimentares saudáveis, devendo ser praticados de forma harmônica, já que são hábitos que serão consolidados por toda a vida.
2.3.1. Local da Alimentação como Espaço Social
A criança deve alimentar-se à mesa, preferencialmente na companhia dos educadores. Estes, por outro lado, devem atentar para não realizar comentários desfavoráveis em relação a algum alimento, dada sua influência em relação ao grupo.
O ambiente alimentar favorece a oportunidade, enquanto a criança aprende a comer, de participar da refeição em grupo reforçando os laços sociais e tornando a refeição mais agradável.
O momento da refeição é traduzido, entre outros aspectos, pelo convívio social que, de forma organizada, propicia conversas e o respeito para com a criança no sentido de sentar-se no local de sua escolha.
E então, no ambiente do CEI:
• O espaço do refeitório é um ambiente isolado com a finalidade de somente servir as refeições?
• Este espaço pode ser transformado também em espaço-alegria, espaço–descoberta, espaço-social?
• Poderemos entender o espaço do refeitório como um prolongamento do trabalho pedagógico do CEI?
2.4. O Olhar Educacional Para o Ato de Alimentar-se...
Saber apreciar a comida é enfrentar a vida sem negar a festa, o prazer, cultivando-os, mostrando a importância do mundo material e da convivência (Nina Horta).
Devemos ter consciência que cada criança come para satisfazer sua saciedade. Por esse motivo, a criança não deve ser forçada a comer. Se existe algum tipo de resistência e protesto ao ato de se alimentar, o motivo deve ser investigado.
Muitas vezes, a recusa do alimento pode ser pelo fato do excesso ou falta de atividade física da criança.
Outros fatores podem estar relacionados à recusa alimentar como: o impacto de estar fora de casa, a mudança de rotina, a necessidade de chamar atenção e a vontade de realizar outra atividade como, por exemplo, brincar. Neste momento, é totalmente desaconselhável fazer chantagens do tipo: “se não comer, não brinca”.
Lembre-se
“O ato de se alimentar talvez seja uma das formas mais concretas para a criança estabelecer contato com o mundo, isto é, descobrir necessidades, texturas, temperaturas, sabores, aromas e, principalmente, lidar com todas as emoções que envolvem a alimentação, aguçando todos os sentidos que, quando despertados, gravam no sabor da memória uma nova emoção para o alimentar-se com prazer”.
Fonte: SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Manual de alimentação para os Centros de Educação Infantil conveniados. 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 ago 2014.
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