quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O trabalho com projetos


        Quem já ouviu falar sobre o trabalho com projetos? Na Educação Infantil, esse tipo de trabalho tem sido bastante comentado nos últimos tempos. É esse o assunto desta aula. Assunto que aqui será tratado tendo como referência o livro de Abramowicz e Wajskop (1995) intitulado Creches: atividades para crianças de 0 a 6 anos, o texto “Organização do tempo na escola infantil”, escrito por Maria Carmem Barbosa e Maria da Graça Horn, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, do Ministério da Educação (MEC) e também o livro As Cem Linguagens da Criança, de C. Edwards, L. Grandini e G. Forman.
        Vamos iniciar com a pergunta: o que são projetos no contexto do nosso assunto?
        Utilizamos o termo trabalho com projetos para nos referir a estudos em profundidade sobre determinados tópicos, assumidos por pequenos grupos de crianças. O trabalho com projetos tem como objetivo ajudar as crianças a encontrarem um sentido mais profundo e completo dos acontecimentos do seu próprio ambiente e das experiências que mereçam a sua atenção.
        Os projetos fazem parte do currículo da Educação Infantil. É através deles, do ponto de vista pedagógico, que as crianças vão ser encorajadas a tomar suas próprias decisões e a fazer suas próprias escolhas sobre a realização de um trabalho, sempre em interação-cooperação com os seus colegas. Acredita-se que o trabalho com projetos reforça na criança a sua autoestima, uma vez que ela passa a acreditar na sua capacidade de pensar, concluir e criar, além de estimular o seu desejo de aprender cada vez mais.
        De uma maneira geral, podemos dizer que o projeto é uma forma de trabalho que envolve diferentes conteúdos e que costuma ser organizado em torno de um tema. Pode-se dizer também que é a realização de um estudo que será desenvolvido de acordo com a faixa etária das crianças.
        Muitas vezes, os projetos são planejados para alcançar um determinado produto final e acabam tomando outro rumo, mudando de propostas e de trajetória. Mas isso não importa, o que vale é que eles sempre geram novas aprendizagens e às vezes até novos projetos. Essas mudanças, que são necessárias em um projeto, dependem do professor. Ou seja, ele deve estar sempre atento, observando cada etapa e deve ser capaz de avaliar permanentemente o processo, estando sempre aberto à possibilidade de reestruturação do trabalho proposto.
        As atividades de um projeto podem incluir observação direta, perguntas a pessoas e a especialistas, coleta de materiais, representação de observações, de ideias, de memórias, de emoções, de imagens e de novos conhecimentos de várias maneiras, incluindo a montagem de um teatro.
        Vocês já devem estar perguntando: e como escolhemos o tema de um projeto?
        Não existe uma regra para essa definição. Mas nós podemos pensar em alguns critérios que podem ser seguidos.
        Os projetos podem ter como ponto de partida um fato acontecido na sala de aula ou na comunidade, uma notícia de televisão, uma ideia que surgiu após a leitura de um livro ou a simples observação de fenômenos naturais. Esses temas podem ser trazidos pelos professores, pelas crianças ou pelos pais... Às vezes, eles podem surgir de uma situação inesperada, imprevisível!
        O que é importante nós sabermos é que a ideia escolhida deve mobilizar o interesse do grupo como um todo. Tanto as crianças quanto os professores devem sentir-se atraídos pela questão. Vocês já se imaginaram conduzindo um projeto sobre um assunto que acham chato? Iria ficar bem difícil, não é?
        Os projetos podem ser realizados tanto nas creches quanto nas pré-escolas, isto é, com bebês ou com crianças maiores. Os temas a serem trabalhados com os bebês vão depender basicamente da observação que o professor faz da sua turma de crianças. Assim, vai ser de acordo com essa leitura que o professor irá escolher as atividades que podem ser importantes ao desenvolvimento das crianças. Pode-se iniciar, por exemplo, por meio das atividades de exploração dos materiais da sala, momento em que o professor observa, anota e, posteriormente, organiza atividades com um maior nível de complexidade e que geralmente se desenvolverão em torno de um eixo temático.
        Para ficar mais claro, dou um exemplo de um projeto para bebês. Ele foi desenvolvido para crianças de 1 a 2 anos de idade, em uma escola infantil da cidade de Barcelona, na Espanha, por ocasião das Olimpíadas, descrito no texto já citado de Barbosa e Horn. O nome do projeto é: “Aprendendo a mover-se no mundo”.
        O projeto está voltado para o desenvolvimento motor e espacial das crianças e pretende que elas realizem atividades em três diferentes espaços: na terra, no ar e na água.
        Assim, organiza-se o espaço para que as crianças possam se deslocar na terra:
Rolando no tapete;
Rastejando no colchonete;
“Andando de quatro” com almofadas;
Escalando rampas de madeira;
Passando pelo túnel: de pano, de espuma, de caixas de papelão;
Subindo e descendo escadas;
Descendo pelo escorregador;
Empurrando caixas e objetos;
Deslizando sobre um cobertor.
Possam também deslocar-se pelo ar:
Saltando;
Pendurando-se na barra;
Virando cambalhotas.
E desenvolvam atividades na água, sabendo:
Mergulhar;
Flutuar;
Saltar.
        Agora, vamos apresentar outro exemplo de projeto, realizado com um grupo de crianças de 4 e 5 anos na pré-escola Ada Gobetti na cidade de Reggio Emilia, na Itália. Esse projeto está descrito no texto “O que podemos aprender com Reggio Emilia?”, de Lílian Katz (1999). Foi assumido um extenso estudo sobre um supermercado cooperativo excepcionalmente grande naquela comunidade.
        Nós sabemos que um estudo de um mercadinho ou quitanda é um assunto popular em muitas creches e pré-escolas. Porém, algumas características desse projeto são especiais e merecem ser descritas e comentadas.         Primeiramente, as crianças realizaram várias visitas ao mercado, foram inclusive em um dia em que este estava fechado. Observem o que as crianças comentaram após essa visita ao supermercado fechado:
“Ele é tão grande quanto uma floresta.”
“A gente pode se perder dentro dele, como na Via Emilia.”
“É grande como a baleia de Pinóquio.”
“Parece uma piscina.”
“O homem no supermercado divide as coisas pela metade, metade em uma prateleira e metade na outra.”
        Assim, as crianças tiveram a oportunidade de observar com atenção as diferentes características do local visitado (pesquisado), desenhar muitos dos objetos e elementos que as impressionaram e andar pelos vários corredores, olhando qualquer coisa interessante no ambiente. Após a visita, elas foram capazes de realizar desenhos detalhados do supermercado: as fileiras de cestos, as caixas registradoras, consumidores com ou sem cestos, com ou sem crianças ao lado, balcões, e assim por diante.
        Entretanto, os desenhos têm pouco significado sem a documentação feita pelos professores daquilo que as crianças observaram, viveram e disseram sobre o supermercado. Os professores gravaram os comentários e as discussões das crianças e esse material ofereceu a eles possibilidade de conhecerem os níveis de entendimento das crianças e seus enganos de percepção sobre os fatos cotidianos.
        Vamos observar os comentários que as crianças fizeram sobre o supermercado, a partir da seguinte pergunta: O que você gosta de fazer no supermercado?
Empurrar o carrinho.
Tocar nas mercadorias.
Subir nas prateleiras.
Correr para lá e para cá.
Fazer perguntas a todo mundo.
Comer pedaços de queijo.
Saber o que está atrás das portas fechadas.
Comprar de tudo.
Olhar-me no espelho.
        Num outro dia, as crianças voltaram ao supermercado para comprar, prestando a devida atenção à preparação da lista de compras, pagando suas compras, recebendo o troco e, então, usando os itens para a preparação da comida, ao retornarem à escola. Algumas crianças entrevistaram o gerente e fizeram inúmeras perguntas sobre o que significa ser o “chefe”.
        Vejam quais foram os comentários das crianças relacionados ao gerente.
Questões sobre o gerente
Quem é o gerente?
“Ele é aquele que dá o dinheiro para alguém.”
“Ele é um presidente.”
“Ele é aquele que fica vigiando para ver se alguém rouba o dinheiro.”
“Ele levanta-se cedo de manhã, abre as portas e organiza tudo.”
Questões ao gerente
“Você é um chefe?”
“Quantas pessoas você dirige?”
“Como você se tornou um gerente?”
“Você ganha mais dinheiro que os outros?”
        As crianças também entregaram ao gerente sua “lista de solicitações”, refletindo suas opiniões sobre o que deveria ser acrescentado ao supermercado: uma sala para assistir televisão, sanitários confortáveis, um playground, um local para brincar com bonecas etc. Além disso, muitas crianças elaboraram suas próprias criações de pacotes de cereais, biscoitos, caixas de detergentes e similares. Elas também construíram um mercado na sala de aula e encenaram com prazer várias situações, incluindo o que observaram sobre os objetos, as pessoas, e sobre os acontecimentos no supermercado real.
        Um projeto sobre o supermercado local nos parece um assunto muito comum.
        Por que um professor escolheria tal item? Por que não foi escolhido estudar uma experiência bem diferente da que a criança está acostumada a viver? Isso não ajudaria a estimular o interesse infantil?
        A resposta é que quando o assunto de um projeto é muito familiar às crianças, permite que elas contribuam no seu desenvolvimento, no sentido de sugerir questões e linhas de investigação, além de possibilitar que as crianças assumam maior responsabilidade pelo encaminhamento e orientação que o projeto terá.
        Já se o tópico de um projeto é muito diferente e está fora de sua experiência direta, elas acabam por depender do professor para a maioria das questões, ideias, informações, reflexões e planejamentos. As crianças pequenas dependem dos adultos em muitos aspectos de suas vidas e de suas experiências de aprendizagem; entretanto, o trabalho com projetos é a parte do currículo na qual os interesses, ideias, preferências e escolhas das crianças são privilegiadas.
        Uma lição que devemos aprender é que até as crianças pequenas:

[...] podem comunicar suas ideias, seus sentimentos, seu entendimento, sua imaginação e suas observações por meio da representação visual [...] As representações impressionantes que as crianças criam podem servir como base para hipóteses, discussões e argumentos, levando a observações adicionais e a representações novas. (KATZ, 1999, p.43)

        Através do trabalho com projetos, podemos ver como a criança pode se envolver de diferentes maneiras na busca de uma compreensão mais profunda de tudo aquilo que está à sua volta.
        Vamos continuar a nossa aula conhecendo mais um exemplo de projeto que também se encontra descrito no livro As Cem Linguagens da Criança. Esse projeto foi chamado de “A multidão” e foi realizado na Pré-escola Diana, em Reggio Emilia, Itália. Ele foi documentado por Vea Vecchi e supervisionado por Loris Malaguzzi – grande educador italiano que idealizou o conhecido trabalho desenvolvido em Reggio Emilia.
        Trata-se de um projeto realizado com crianças de 4 a 5 anos e que, diferentemente do que estamos acostumados, teve início no final de um ano escolar. Na Itália, os professores costumam permanecer com a mesma turma durante o ciclo escolar (no caso, pré-escola é de 3 a 5 anos de idade). Assim, as férias de verão, que são as mais longas, representam uma interrupção, mas os professores procuram encontrar formas de manter vivo o interesse das crianças em aprender.
        Para esse projeto, eles propuseram para os alunos que guardassem recordações e fragmentos da experiência que teriam durante as férias. Essa ideia também foi apresentada e discutida com os pais das crianças que concordaram em organizar uma pequena caixa que seria levada junto com a família na viagem de férias a fim de que as crianças pudessem guardar objetos ou pequenos tesouros, como uma pedrinha da montanha, uma concha da praia etc.
        Ao retornarem para a escola, os professores pensavam que iriam ouvir histórias sobre as aventuras ocorridas na praia ou nas montanhas, ou sobre pequenos, mas significativos momentos que envolviam barcos e ondas, porém, em vez disso, as crianças naquela classe trouxeram uma perspectiva muito diferente.
        Como as crianças conseguiam expressar-se com entusiasmo e os professores foram capazes de fazer as perguntas corretas, houve a oportunidade de iniciar uma proposta de aprendizagem diferente do que se esperava. O que aconteceu foi mais ou menos assim: um menino disse, ao compartilhar sua experiência que, “às vezes íamos ao píer. Caminhávamos por uma rua comprida estreita, com lojas grudadas umas às outras, e onde fica abarrotado de pessoas à noite. Algumas pessoas sobem a rua, outras descem. A gente não consegue ver nada, só consegue ver uma multidão de pernas, braços e cabeças”.
        Os professores, atentos à possibilidade de captar o novo, perceberam a palavra multidão e perguntaram às outras crianças o que significava para elas. Através dessa intervenção, foi possível descobrir que essa palavra se revelou incrivelmente rica nos significados que continha para as crianças. E os professores viram ainda que a turma demonstrava uma excitação incomum com esse trabalho.
        Vejamos o que algumas crianças disseram:
“É uma sacola cheia de pessoas amontoadas dentro.”
“É um monte de pessoas todas grudadas e perto umas das outras.”
“Existem pessoas que saltam sobre você e o empurram.”
“É como um lugar congestionado, quando é um feriado.”
“Existem montes de pessoas que estão indo ver uma partida de futebol. E só tem homens mesmo.”
“É um monte de pessoas todas amontoadas juntas como quando elas vão para pagar impostos.”
        Depois da discussão em grupo, os professores pediram que as crianças desenhassem seus pensamentos e palavras sobre a multidão. Quando eles viram os desenhos das crianças, descobriram que o nível de representação dos desenhos era inferior ao nível das descrições verbais. Assim, decidiram deixar o projeto de lado por alguns dias, e passaram a pensar sobre algumas questões, por exemplo, porque isso acontecia com as crianças, como eles poderiam ajudá-las a integrar suas diferentes linguagens simbólicas, o que fazer para que as crianças se conscientizem de seu próprio processo de aprendizagem. Decidiram, assim, ler em voz alta os comentários anteriores que as próprias crianças haviam feito (os professores costumam gravar as discussões das crianças e, posteriormente, transcrevem suas ideias) enquanto elas olhavam os desenhos. As crianças fizeram novos desenhos e, dessa vez, a professora observou um avanço com relação ao vocabulário delas, sendo que também as imagens tornaram-se mais elaboradas e detalhadas. Por exemplo: uma menina, recordando quanto à palavra multidão, disse: “Ela vai para a esquerda, para a direita, para frente e quando eles esquecem algo, eles voltam”.
        Em seguida, a menina percebeu que suas afirmações não combinavam com seus desenhos, já que as figuras no papel estavam todas voltadas para frente. Sentiu - se incomodada e rapidamente deu a seguinte explicação: no desenho, ela havia mostrado apenas um pedaço da multidão, com pessoas que não esqueciam nada e que por isso elas estavam todas caminhando para frente. Um outro menino revelou que em seu desenho todos olhavam para a frente, menos um cachorro que estava de perfil e admitiu que só sabia desenhar cães desse modo. Outra criança também falou sobre sua preocupação com seu desenho, explicando que, se as pessoas continuassem caminhando para frente, conforme ele havia desenhado, elas acabariam se chocando contra a parede.
        Surgiu, nesse momento, um grande desejo das crianças em aprender mais sobre como desenhar pessoas de costas e de perfil. Coube então à professora a tarefa de auxiliar, permitir que as crianças tivessem a oportunidade de realizar essa vontade. Assim, ela pediu que uma menina ficasse de pé no meio da sala, cercada por pequenos grupos de crianças colocadas em diferentes perspectivas, onde podiam observá-la, descrever seu corpo e posição e desenhá-la a partir de quatro ângulos: de frente, de costas, vista pela direita e pela esquerda. Dessa forma, as crianças puderam aprender muito sobre o conceito de perspectiva.
        É típico, nos trabalhos de projetos, a professora sair da escola com as crianças.
        Por isso, todos foram ao centro da cidade observar e fotografar as pessoas se movimentando e tornando-se também “multidão”. Posteriormente, elas analisaram as fotografias, e então, fizeram mais desenhos. A criança que só sabia desenhar seu cão de perfil trouxe orgulhosa o desenho de crianças também de perfil.
        O trabalho do projeto continuou com outras atividades que envolviam recorte, colagem, reduções de desenho por meio da fotocopiadora, confecções de marionetes, esculturas em argila, dramatizações e outras mais. E acabaram concluindo sua exploração com um projeto coletivo no qual sobrepuseram em uma caixa muitas de suas figuras para criarem uma multidão, exatamente como a colega dissera, “que vai para a esquerda, para a direita, para frente e então, quando esquecem algo, elas voltam”.
        Por meio desses exemplos, acredito ser possível compreendermos o quanto as crianças são capazes de questionar, de criar, de encontrar soluções. O trabalho com projetos permite o envolvimento conjunto de crianças e adultos, um compartilhar de conhecimentos e de descobertas.

Fonte: Coletado na internet, não conheço o autor.

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