Na educação infantil, a educação física ainda é baseada na escolar, em que o professor vem nos Centros de Educação Infantil apenas para dar a sua “aula” de 45 minutos, uma para cada turma diferente, geralmente com atividades idênticas para as diferentes faixas etárias, crianças de 3, 4 e 5 anos de idade e logo depois se dirige para outro CEI para “aplicar” as mesmas atividades. Da maneira em que o professor de educação física é contratado para trabalhar na educação infantil, fica praticamente impossível realizar um trabalho coletivo em cada unidade em que está lotado. Mas será que é culpa do professor de educação física, que procura fazer o melhor que pode com os subsídios recebidos em sua formação? Será que são as universidades que carecem de referencial teórico para embasar o trabalho pedagógico de educação física na educação infantil? Ou será que a culpa é da administração que contrata estes profissionais por hora/aula, sem levar em consideração as especificidades da educação infantil?
Enfim, não adianta procurar culpados e sim soluções para resolver estes impasses que norteiam o trabalho pedagógico destes profissionais, pois Sayão (2001, p. 2) afirma que:
A ideia de uma educação física calcada nos fundamentos da escola contrapõe-se aos princípios da pedagogia da educação infantil, para a qual é preciso construir a especificidade do trabalho pedagógico voltado às necessidades e interesses das crianças de 0 a 6 anos. Como já sabemos o tempo, espaço e conteúdos previamente definidos que demarcam as disciplinas na escola, não têm sentido para as crianças pequenas. Cabe, portanto, aos/as profissionais elaborarem pressupostos teórico-metodológicos que dêem conta de garantir o trabalho pedagógico da educação física à luz da pedagogia da educação infantil.
Sendo que Bracht (1999) apud Simão (www.ced.ufsc.br/~zeroseis/1art12.doc) complementa:
Assim, uma proposta pedagógica que organize a cultura corporal de movimento para a educação física nos moldes do ensino fundamental, onde existe a “hora da educação física”, não tem sentido e não respeita os interesses e necessidades das crianças, pois além de fragmentar o conhecimento, fragmentam também o “sujeito-criança”.
São vários fatores que auxiliam a formar o quadro que está presente nos Centros de Educação Infantil, mais especificamente, conforme a nossa realidade, do nosso município, embora aos poucos, a administração municipal vem tendo uma maior preocupação com este tema, o que gerou um projeto piloto: Corpo e movimento, que está sendo realizado em quatro unidades de educação infantil da cidade, pois conforme argumenta Sayão (2001, p. 2):
Neste caso, é preciso superar a concepção disciplinar de educação física fortemente enraizada na formação docente e partir para a ideia de complementariedade de ações pedagógicas que englobam diferentes profissionais, de diferentes áreas de formação que pensam, planejam e desenvolvem planos de trabalho tendo as crianças como centro irradiador das interações e não, o conhecimento determinado a priori pelos adultos.
Simão (www.ced.ufsc.br/~zeroseis/1art12.doc) orienta sobre a prática da educação física que deve ser adotada:
Atualmente, busca-se uma prática pedagógica da educação física na educação infantil que contribua para a ampliação das linguagens, das interações e da leitura de mundo por parte das crianças, haja vista as dificuldades encontradas pelos/as profissionais que tem a sua formação fortemente influenciada pelo modelo de esporte de rendimento. Busca-se uma cultura corporal de movimento que não se paute em um modelo “escolarizante” que objetiva antecipar conteúdos visando preparar as crianças para o ingresso no ensino fundamental.
Para se mudar a concepção de educação física na educação infantil é preciso um grande esforço também das professoras de educação infantil e da administração de cada unidade, pois principalmente para as primeiras, as aulas de educação física, servem para elas aproveitarem para dar conta das tarefas do trabalho pedagógico, para fazer o lanche, tirar dúvidas ou até mesmo descansar e em alguns casos se “omitem” de participar deste momento tão importante, pois conforme afirma Sayão (2001, p. 3):
A participação das professoras regentes e auxiliares é indispensável naqueles momentos em que o/a professor/a de educação física está coordenando uma atividade, assim como o inverso disso, o que possibilita aos/as profissionais conhecerem melhor as crianças e construírem vínculos entre os adultos que qualificam o trabalho pedagógico.
Também é preciso que o professor de educação física fique mais tempo nas unidades de educação infantil, que possa discutir com os demais profissionais os possíveis encaminhamentos a serem realizados com as crianças de diferentes idades e não apenas separadas por turmas. É preciso haver um comprometimento por parte das professoras da unidade de participar dos momentos de educação física, observando, dando sugestões, enfim realizando um trabalho coletivo, assim como por parte das professoras de educação física, que precisam reconstruir as suas concepções de educação física, pautadas na escola, com horas/aula, em exercícios psicomotores ou em esportes de rendimento, pois da maneira que estão organizadas as aulas de educação física estas profissionais não precisam refletir, é mais fácil da maneira que já estão acostumadas, porque reconstruir e realizar um trabalho coletivo é difícil e trabalhoso, gera conflitos, desencontros, embates, e pensam que muitas vezes é melhor deixar a situação como está do que criar polêmicas e alguns desconfortos no local de trabalho.
Outra questão que deve ser discutida é quanto o tempo que o movimento ocupa na Educação Infantil, muitas professoras acreditam que apenas as aulas de educação física servem para as crianças movimentarem-se livremente, mas as docentes não levam em consideração que as crianças têm direito a se movimentarem livremente todo o tempo e não apenas nos momentos de educação física, assim como a explorarem espaços amplos, direito a brincadeira e ao contato com a natureza, enfim, terem as suas culturas corporais respeitadas, sendo que corroborando esta afirmativa Vaz, Richter et al (2009, p.204) afirmam que:
Por outro lado, a ruptura com um modelo fragmentado de Educação Física talvez acabe por favorecer o reconhecimento de que a educação do corpo não se limita a momentos específicos destinados a essas aulas. Ela acompanha, atravessa, perpassa a dinâmica da instituição e, nesse caso, talvez venha a favorecer formas de contato, de aproximação, de comunicação que não aquelas marcadas pela brevidade, pela velocidade, pelo tempo determinado pelo relógio.
Quando se reflete sobre o trabalho pedagógico dos professores de educação física na educação infantil é preciso que se problematize que estes momentos não têm como meta extravasar a energia das crianças ou então propor qualquer atividade para ocupar o tempo destas, é necessário que o professor tenha claro o que quer abordar e desenvolver, os seus procedimentos, os seus objetivos, enfim pensar em sua intencionalidade pedagógica. De acordo com Sayão (http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/viewarticle/43/2689):
Quanto ao trabalho pedagógico, precisamos estar conscientes de que deve haver uma intencionalidade educativa em todas as ações docentes na educação infantil e na educação física. Nas interações que são proporcionadas as crianças, os adultos mais experientes e que atuam em instituições educativas captam os saberes que os pequenos possuem, suas necessidades e seus interesses e precisam estabelecer mediações que ampliem o repertório cultural das crianças, cujo conhecimento cognitivo é um dos elementos que perpassam as relações, e não sua razão última.
Parece-nos importante apresentar às crianças a diversidade de movimentos e materiais historicamente criados e culturalmente desenvolvidos que integram a cultura corporal de movimento, uma vez que, em se tratando de educação (infantil), cabe-nos como professores, promover situações pedagógicas intencionais e favorecer experiências que envolvam a expressão das múltiplas linguagens infantis, que incluam formas de se relacionar consigo mesmos, com o outro, com os materiais, com os tempos e os espaços e, sobretudo, que as aproximem das produções culturais da humanidade.
Para que se possa compreender como percebemos a educação do corpo nos dias atuais é preciso voltar um pouco ao passado para entender o percurso e as modificações da concepção do corpo de acordo com a sua época.
Santin (1987) apud Neira e Nunes irão nos auxiliar nestas concepções do movimento humano. A primeira concepção é a compreensão do homem como uma máquina, que é regida pelas leis da física, sendo que o principal é a busca pela eficácia dos movimentos, tendo como meta a qualidade do desempenho motor. A segunda concepção pondera o movimento humano como energia produtiva, sendo que se busca a melhoria das funções fisiológicas e das capacidades físicas. A terceira e última concepção a educação é responsável pela melhoria dos movimentos, sendo que este é considerado como uma forma de linguagem e expressão, que traduz as emoções, sentimentos e a produção corporal da sociedade em que o indivíduo está inserido.
Então, como podemos definir o que é cultura corporal? Buscando a concepção deste conceito Neira e Nunes (http://www.eca.usp.br/caligrama/n_9/pdf/06_neira_nunes.pdf) afirmam que:
(...) a cultura é toda e qualquer ação social que expressa ou comunica um significado, tanto para quem dela participa, quanto para quem observa. Ou seja, são práticas de significação. Cada atividade social, portanto, cria e precisa de um universo próprio de significados e práticas, isto é sua própria cultura. A cultura, assim entendida, constitui-se em uma relação social, configurando-a como um campo de luta pela validação de significados e a cultura corporal assume a dimensão de um território de conflito expresso na intencionalidade comunicativa do movimento humano.
Nas relações que ocorrem nas escolas, e neste caso específico, nos Centros de Educação Infantil há uma cultura corporal que as ações dos sujeitos denunciam. Os professores de educação infantil e educação física devem trazer a luz estas culturas, para refletirem sobre as mesmas e proporem mudanças. Algumas perguntas que podem servir para esta reflexão são: De que maneira o corpo é visto no CEI? Quais são as manifestações corporais que ocorrem neste ambiente? O que as manifestações infantis dizem sobre as suas culturas corporais? E enfim, como ampliar estes movimentos e estas vivências no âmbito da educação infantil?
Para Perrotti (1995) apud Simão (www.ced.ufsc.br/~zeroseis/1art12.doc):
As crianças, quando tem acesso à educação infantil ou à educação física em creches e pré-escolas, lhes é negada a possibilidade de construção de uma cultura infantil, pois estão a mercê de uma cultura que geralmente é determinada pelos adultos, restando somente espaço para recriação do já existente.
Bracht (1999, p. 82) afirma que:
A dimensão que a cultura corporal ou de movimento assume na vida do cidadão atualmente é tão significativa que a escola é chamada não a reproduzi-la simplesmente, mas a permitir que o indivíduo se aproprie dela criticamente, para poder efetivamente exercer sua cidadania. Introduzir os indivíduos no universo da cultura corporal ou de movimento de forma crítica é tarefa da escola e especificamente da educação física.
Muito é preciso ser pensado e refletido sobre as práticas culturais da educação física na educação infantil, pois como primeira etapa da educação básica que é, deve ser um lugar de vivência das culturas das crianças e não apenas dos adultos, deve-se prioritariamente buscar nas crianças o que elas já sabem e o que querem aprender, ampliando gradativamente as suas aprendizagens e valorizando as culturas infantis dos grupos de diferentes idades, pois conforme Sayão (2001, p. 5) afirma:
O movimento corporal que possibilita às crianças expressarem diferentes linguagens torna-se visível sempre que observamos crianças que, ao serem estimuladas por objetos, por brinquedos, por músicas, sons, etc... recriam os objetos, embalam-se ao som das músicas, transformam objetos em brinquedos. É a capacidade de captar os significados próprios dos contextos culturais e recriá-los constantemente que torna a infância uma categoria social com especificidades próprias.
É preciso coragem para modificar o velho, o que já está posto, ao enfrentar as opiniões contrárias, pois as coisas sempre foram assim, por que modificá-las? Mas com toda a certeza, quem assume este desafio, encara as críticas e vai até o fim em busca do melhor, com certeza absoluta irá participar de uma feliz parceria entre a educação física e a educação infantil que irá contribuir para uma maior qualidade nestas duas áreas, quem irá agradecer são as crianças que se beneficiarão desta nova maneira de realizar o trabalho pedagógico.
Autoria: Jaqueline G. V. Pezzi (Jaquinha)
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