Abaixo apresento um texto de Fernanda Carolina Dias Tristão, que aborda diversas questões extremamente importantes sobre a função da professora de Educação Infantil e a forma desta profissional pensar, planejar e executar o seu trabalho com crianças de 0 a 5 anos de idade. Espero que vocês gostem.
EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIMENTAR, PROVAR, LAMBUZAR...
Fernanda Carolina Dias Tristão
Se pensarmos no papel da professora como mentora de um espaço agradável, aconchegante, seguro, mas também estimulante e desafiador para cada uma das crianças. Se pensarmos que essa mesma professora respeita os tempos e ritmos dos pequenos, se pensarmos que a base do planejamento dela não são atividades, mas relacionamentos intensos entre todos aqueles que compõem determinada comunidade de educação, podemos afirmar que o papel dessa professora é permitir que as crianças experimentem no contexto da creche. Experimentar o que? Experimentar todos os recursos que estão disponíveis e não apenas aqueles vistos como adequados para crianças dessa faixa-etária (bonecas, fantoches, histórias, fantasia, recursos naturais, água, areia); experimentar a delícia que é o contato com outros seres humanos, a delícia de uma boa gargalhada compartilhada com alguém que se confia, a delícia de um banho prazeroso, do contato com a água, de poder estar pelado, de poder sentir o seu corpo. Para Jorge Larrosa: “experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (2002, p.21 – grifos meus).
No contexto da educação infantil muitas coisas acontecem no dia-a-dia das professoras e crianças, mas o que realmente as toca e as transforma? Walter Benjamim (1986) afirma que a pobreza de experiências para o ser humano faz com que ele contente-se com pouco, construa com pouco. Pensemos a pobreza de experiências na educação infantil: estamos buscando uma educação para a emancipação e não para a subalternidade. Dessa forma, não queremos que as nossas crianças contentem-se, conformem-se com pouco ou quase nada, já que não tiveram mais por falta de oportunidades; também não queremos que elas sejam passivas diante do mundo, já que não puderam provar o sabor de conhecer os bens da humanidade, fazendo assim, suas escolhas; finalmente não queremos que as suas experiências de infância sejam marcadas pelo desafeto, pela desesperança, pelo descaso, pela humilhação e pela negligência, que deixam suas cicatrizes e estigmas. Queremos, sim, que as crianças pequenas possam passar por várias e ricas experiências. No primeiro ano de vida o bebê está descobrindo o mundo, tudo para ele é muito novo, nesse período está tendo suas primeiras impressões sobre o que é ser Ser humano, por isso a importância de fomentar experiências diversificadas e estimulantes para os meninos e as meninas.
Muitas das experiências vividas pelas crianças no contexto da creche partirão de uma proposta das professoras ou de uma permissão destas para que os pequenos experimentem, provem, saboreiem, lambuzem, sintam.
Dessa forma é fundamental que estas profissionais planejem muitas possibilidades para as crianças experimentarem. Afinal, como captar tudo isso que as crianças estão indicando e fazer uso disso para planejar? Este planejamento, tal qual estou pontuando, deveria ser estruturado à luz de registros que tomassem como ponto de partida as crianças. Saber o que toca e o que transforma cada um dos pequenos é uma aprendizagem que se dá por meio dos olhares atentos das professoras para os sinais que emitem. O registro, assim, será fundamental para que o planejamento das professoras seja estruturado a partir das sinalizações das crianças.
Mesmo que as crianças passem pelos mesmos acontecimentos ao longo de sua trajetória em uma instituição de educação coletiva, elas não passarão pelas mesmas experiências, já que estas são singulares, não podendo ser repetidas. Com isso quero reafirmar que é apenas conhecendo cada menino e menina, respeitando suas especificidades, que as professoras poderão saber o que toca e o que transforma cada um deles e delas – o que consiste em experiência para cada um dos bebês. Isto posto, é possível tecer uma crítica ao modelo de educação vigente, no qual todos devem seguir os mesmos tempos, nos mesmos espaços, seguindo a lógica do consenso que abafa a pluralidade e a diferença.
O importante é que os atos pedagógicos produzam significados para as pequenas crianças (DAHLBERG, MOSS & PENCE, 2003), de forma que elas possam extrair sentido da prática que está sendo proporcionada. E que as professoras também se consolidem como produtoras de significados. Oferecendo-se, assim, como instrumentos de descobertas, que promovem propostas e situações intensas, nas quais há a possibilidade da exploração de materiais e ambientes, do encontro com outras pessoas, crianças e adultos, tendo como foco as escolhas e as predileções de cada menino ou de cada menina. Isso exige não perder de vista questões como: o que toca a cada uma dessas crianças? O que faz sentido para cada uma delas? O que eu professora, representante mais experiente da espécie humana, quero para elas? Em que isso contribui para a sua humanização? É importante para a criança ou é apenas uma atividade planejada pela professora sem levar em conta os interesses e os modos de pensar e agir dos pequenos? O que estou planejando está pautado nos jeitos de ser e de se expressar daquelas crianças? Respeita os seus tempos? A proposta tem a intenção de ampliar e enriquecer o repertório cultural, cinestésico, afetivo ou relacional dos pequenininhos? Dessa forma, experiências só poderão ser fomentadas no contexto da creche se as professoras aprenderem a conhecer o que é realmente significativo para as crianças que passam parte da sua infância naquele lugar. Pensar o planejamento para os grupos de educação infantil implica em refletirmos sobre as especificidades deste nível da educação.
A educação infantil não tem a função formal de ensinar alguma coisa, mas é seu papel incrementar o repertório cultural das crianças, favorecendo a aprendizagem. É necessário resgatar o aprender para a educação infantil. Com o temor das práticas escolarizantes e de instrução, deixamos de falar na importância da aprendizagem para as crianças pequenas. Não é atribuição das professoras de educação infantil ensinar e transmitir (aliás, essa não deveria ser característica do trabalho de nenhum (a) docente). Contudo elas têm um papel fundamental, que defino como sutil, na aprendizagem das crianças. Este pode ser caracterizado como uma presença atenta e disponível a compartilhar os conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade ao longo da sua história. Para tanto, é essencial o planejamento de situações ou do uso de materiais diversificados no cotidiano de trabalho com os pequenos, proporcionando o contato com diferentes possibilidades de aprendizagens, quais sejam, relacionais, afetivas, cognitivas, expressivas, artísticas... o que caracteriza o papel docente na prática com crianças pequenas é a intencionalidade dessas ações. Estou entendendo este aprender da forma como Paulo Freire (1996) anunciou, sendo a capacidade para criar, construir, reconstruir ou transformar um dado conhecimento ou uma dada realidade, de modo que, as crianças não têm o papel passivo de receber aquilo que os adultos lhes transmitem, mas são ativas na construção dessa aprendizagem, que se dá por meio das interações, na relação com os outros.
As crianças aprendem muitas coisas nas suas experiências em instituições de educação coletiva. E o mais importante: começam a aprender e a experimentar a ser ser humano, iniciando seus processos de “hominização”, aprendendo regras de convivência com outros humanos, grandes e pequenos. Dialogo com Charlot (2000, p. 70) quando afirma que: “aprender pode ser também aprender a ser solidário, desconfiado, responsável, paciente...; a mentir, a brigar, a ajudar os outros...; em suma, a ‘entender as pessoas’, ‘conhecer a vida’, saber quem se é”.
Parece-me que a possibilidade de perceber o extraordinário, o excepcional, no trabalho pedagógico com bebês e crianças pequenininhas, parte das ações sutis que caracterizam a docência com esta faixa-etária, que deve estar marcada pela promoção de relacionamentos intensos e prazerosos, mas também de confronto – que também trazem consigo a possibilidade de trocas e de não consenso -, pelos olhares atentos definidos pela curiosidade, pelo espanto, pelo questionamento, pela humildade do não saber e não predizer, pela possibilidade da descoberta conjunta, da experiência compartilhada. É extraordinário pensar que nem tudo está pré-estabelecido, que há descobertas a serem feitas no caminho. Novamente reporto-me às palavras de Nancy (UNGER, 2001, p.148) quando afirma que “o não-saber que vige na experiência do espanto é a condição de pensar e de aprender”.
Finalizo com Moysés Kuhlmann Jr. (2001, p.57), que sugere que o caminho pedagógico para a educação das crianças pequenas pode estar na postura de simplicidade no trato com elas, no “simplesmente complexo” apontado por autores italianos (KUHLMANN, 2001) e que aqui foi definido como um papel sutil.
Recorte do artigo: SER PROFESSORA DE BEBÊS: uma profissão marcada pela sutileza de Fernanda Carolina Dias Tristão.