sexta-feira, 30 de março de 2012

Crônica de Lola Aronovich

O PRIVILÉGIO BRANCO, AO VIVO E EM CORES de Lola Aronovich.


         Em dezembro, fiz uma pequena lista do que é privilégio masculino (ou seja, coisinhas corriqueiras que nós mulheres sofremos todos os dias, mas que os homens, por nascerem com um pênis, nem sabem que existem. Um exemplo básico de privilégio é que um homem, quando sai de casa, tem medo apenas de ser assaltado, enquanto que pra mulher geralmente o medo do assalto fica em segundo plano). É importantíssimo discutirmos privilégios, mas é também difícil. As pessoas odeiam ser lembradas que são privilegiadas. Preferem aquele discurso de que lutaram para chegar aonde chegaram por méritos próprios e através de um esforço descomunal, não porque nasceram com o bumbum pra lua. E as pessoas preconceituosas são as que menos se dão conta dos seus privilégios. Elas quase sempre negam tanto o preconceito quanto o privilégio. Mas eles existem. Um privilégio bastante típico que eu e a maior parte do meu leitorado compartilhamos é que somos classe média e não temos problemas físicos e mentais. Que privilégios há em ser classe média? Vários, mas o principal, a meu ver, é não correr o mínimo risco de passar fome. Esse medo não faz parte da nossa realidade, mas faz parte do cotidiano de três em cada quatro pessoas no planeta. E o que não ter problemas físicos significa? Que vivemos num mundo feito sob medida pra gente. Pergunte pra um cadeirante se ele pensa que o mundo foi feito pra ele.
         Quando finalmente nos damos conta dos nossos privilégios, podemos começar a entender os desafios que pessoas sem esses privilégios têm. Na sociedade em que vivemos, os maiores privilegiados são homens brancos e héteros. Isso não quer dizer que a vida seja um mar de rosa pra eles, só que será bem menos difícil.
         Logicamente, por ser mulher, falar de privilégio masculino é infinitamente mais fácil pra mim. Desde que pensei nas vantagens de ser homem, venho querendo abordar outros tipos de privilégios, como o privilégio branco e o heterossexual. Pra mim é muito mais complicado pensar nisso porque faço parte de grupos favorecidos ― afinal, sou branca e hétero. Eu tenho que me colocar muito na cabeça de um negro e de um homossexual para tentar entender o que eu tenho de graça, e o que lhes é negado. E isso não é fácil de fazer. Mas eu tentei. Semana que vem falo de privilégio hétero. Agora, cito uns exemplos de privilégio branco (o termo é muito mais conhecido em inglês: white privilege.
Aqui, um ativista branco pró-negros fala em inglês de como foram seus encontros com a polícia quando ele era jovem. Pense como seriam se ele fosse negro. Aqui, o Alex fez uma série sobre privilégio. Eu tenho o privilégio das comentaristas do bloguinho serem mais perspicazes que os comentaristas dele). Por favor, ajude. Tenho certeza absoluta que a lista está incompleta. Mas é um comecinho. Preste atenção em algumas vantagens que temos apenas por nascermos com a “cor certa”. A primeira é nem precisar pensar duas vezes pra decifrar qual cor é considerada a certa na nossa sociedade. Portanto, privilégio branco é:

v     Ninguém mudar de calçada ao me ver.
v     É não me confundirem com o garçom/atendente/serviçal.
v     É ter muito menos chance de ir pra cadeia.
v     A primeira coisa que as pessoas reparam em mim não é a minha cor.
v     Se um vizinho me vir pulando o muro da minha casa, porque esqueci a minha chave, ele provavelmente irá me ajudar, e não chamar a polícia.
v   É poder usar o elevador que quiser sem que ninguém me olhe feio.
v     Quando eu entro num supermercado ou numa loja, os seguranças não ficam de olho em mim.
v     Se eu faço alguma coisa errada, as pessoas vão julgar que esse foi um erro individual, não um erro do meu grupo.
v     A polícia não vai me parar a toda hora por eu ser um suspeito em potencial.
v     É receber um salário mais alto que meu colega negro, ainda que desempenhando a mesma função.
v     Meu cabelo é considerado sempre bom, mesmo quando eu estou num “bad hair day.
v     Posso dirigir um carrão que ninguém vai achar que eu o roubei.
v     Numa faculdade, as pessoas vão achar que estou lá porque estudei muito e mereci entrar, não porque uma lei me beneficiou.
v     As pessoas não me descrevem apenas pela minha cor.
v     Não tenho que fazer cirurgia plástica no meu nariz pra ele ser considerado adequado.
v     Vou viver mais: minha expectativa de vida é maior que a de um negro.
v     As pessoas que aparecem na TV e nos filmes são da minha cor.
v     O padrão de beleza começa por ser branco (pelo menos essa vantagem eu já tenho).
v     Quando eu era criança e brincava de boneca, as bonecas eram da minha cor.
v     Cresci ouvindo que tudo que é branco é bom, e tudo que é preto é ruim. Isso afeta a minha auto-estima.
v     Raramente a família de alguém vai se opor a me ter como genro ou nora.
v   Tenho muito mais chance de ingressar numa faculdade por ser branco (sim, apesar das cotas. É só ver as estatísticas. Por que as cotas foram criadas? Não pra atazanar a minha vida, mas porque há tão poucos negros nas universidades).
v     Meus antepassados não foram escravizados (no caso dos negros) ou varridos da face da Terra (no caso dos índios).
v     Tenho muito mais chance de me tornar um professor universitário.
v     Pra eu ser preso, terei que cometer um crime hediondo.
v     A maquiagem produzida pela indústria é feita pra pessoas da minha cor.
v    Não associam a minha religião à macumba (esse é tema de outro privilégio, o religioso).
v     Muitos defeitos meus são perdoados por causa da minha cor.
v     Eu não pareço ameaçador para outras pessoas.
v     Posso parar uma pessoa na rua para pedir informações sem que ela ache que vou assaltá-la.
v     As pessoas que me avaliam geralmente são da minha cor.
v     Numa entrevista de emprego, o entrevistador quase sempre é branco.
v     Numa banca de defesa de monografia/mestrado/doutorado, os membros são quase todos da minha cor.
v     Nunca parei para pensar como pessoas da minha cor oprimiram pessoas de outras cores ao longo da história.
v     Ninguém se nega a sentar do meu lado no ônibus.
v     Na hora de alugar um apartamento, o dono do apê é branquinho como eu.
v     Quando vejo comerciais ou programas sobre a minha cidade, todo mundo é da minha cor.
v     As pessoas nunca associam a minha cor ao meu cheiro.
v     Todos os heróis da minha pátria são brancos.
v     Os escritores que fazem parte da grade curricular da minha escola/faculdade são quase todos brancos.
v     Eu não sou responsável pelo que meus antepassados brancos fizeram contra os negros, mas os negros de hoje são responsáveis pelo que seus antepassados negros fizeram contra sua própria raça.
v     É ver meus gostos pintados como universais e naturais.
v     É não ser comparado com macaco.
v     Serei ouvido se quiser reclamar de alguma coisa.
v     Quando me junto com outras pessoas da minha cor, raramente somos considerados uma gangue.
v     Na adolescência, não fui chutado e espancado por policiais.
v     Eu posso ser preguiçoso e não gostar de trabalhar sem que associem isso a minha cor.
v    Se eu tiver uma arma, vai ser pra autodefesa, não pra matar alguém.
v     Quase todos os ministros, juízes e congressistas que me representam são brancos.
v     O meu Deus me fez a sua imagem e semelhança. Até o filho Dele é da minha cor.
v     Eu posso pintar a minha casa de amarelo brilhante sem que meus vizinhos critiquem a minha escolha, dizendo ser “coisa de branco”.
v Todos os presidentes do meu país (o cargo mais alto a que alguém pode aspirar) foram da minha cor.
v     Eu não preciso me superar pra me destacar no trabalho ou nos estudos.
v     Quando cometo um erro, ninguém acha que o cometi por ser branco.
v     As piadas que ouço não giram em torno da minha cor.
v     É poder acreditar que todas as minhas conquistas são baseadas no meu mérito, e não no meu privilégio racial.
v     Aliás, eu nunca nem tinha parado pra pensar nesse tal de privilégio branco. Só pode ser coisa de preto!

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